Crédito: Gleice Lisboa. Humilhação. |
População Carcerária.
A discussão a respeito da criminalidade frenquentemente envolve a alegação de que não se fazem prisões o bastante no país - que "se tem leis demais para proteger bandido", que deve se reduzir a maioridade penal, e ocasionalmente, que o direito a um julgamento justo é "fazer carinho em bandido". Mas será que as estatísticas apontam para uma carência de prisões efetuadas? Vamos para os dados, como emitidos pelo InfoPen e o Conselho Nacional de Justiça.
Segundo dados oficiais, apurados por Thiago Reis e Clara Velasco para o portal G1, tem-se um deficit carcerário de 200,2 mil vagas; o sistema tem capacidade para apenas 363,5 mil presos. Além disso, enquanto se tem a queixa comum de que não se prende o bastante, o Brasil teve uma explosão carcerária nos últimos 20 anos, passando de 126 mil para quase 564 mil presos entre 1993 e 2013.
Sob a égide do "direito humano" de levar porrada.. |
Detenção, violência e socialização
Presos são torturados em Santa Catarina |
O tratamento é frequentemente desigual; No Grajau, "presos colaboradores" assumiram as funções administrativas da carceragem, enquanto na Pavuna (ambos no Rio de Janeiro), a "segurança interna", para economizar em agentes carcerários, ficou sob "responsabilidade" dos detentos. Em ambos os casos, assim como em vários outros de acordos "extra oficiais" dos agentes com os presos, os "colaboradores" recebiam regalias que incluíam quartos com ar-condicionado, refrigeradores e televisões, enquanto o restante dos detentos se amontoava em celas super lotadas e imundas.
Criança dividindo espaço com detenta. Autor desconhecido. |
Para não mencionar quando a violência não se resume ao sistêmico - os casos frequentes de violência contra os detentos, que incluem espancamentos, torturas e até execuções por parte de agentes carcerários e facções criminosas para "dar um exemplo" ao restante dos presos; abusos sexuais e estupros contra detentas, frequentemente grupais; assédio e tentativas de intimidação contra parceiras do detento em visitas íntimas; privação de tratamento médico, presas algemadas no pós parto e regimes de isolamento prolongados sem justa causa (problemas que não se restringem ao Brasil, admita-se).
Costas marcadas pela tortura, realizada por outros presos. Agência Mais |
Um argumento comum para justificar a violência contra o detento é bem simples: ele merece por causa das pessoas que ele matou/sequestrou/estuprou/assaltou. E ele é bem emblemático de como vemos a questão criminal. Tem se a ideia fixa de que todo preso é um criminoso violento, perigoso, irredimível, e que portanto merece ser alvo da mais abjeta violência. Mas segundo o CNJ, 65% dos presos brasileiros não cometeram crimes violentos - e como mencionado anteriormente, quase 200 mil ainda nem foram julgados.
Não se olha o fator social do crime - se reduz o problema da criminalidade de um fator social complexo para uma mera questão de "caráter ruim". Não são as políticas sociais, a falta de oportunidades, o vício, a discriminação ou o estado paralelo que se formou em comunidades carentes que leva jovens em situações vulneráveis ao crime: é "sangue ruim"; "falta de caráter"; "o jeitinho". Vê se na violência uma solução pois não se considera que o problema seja social. Quando questiona-se o porque de países com programas sociais e de inclusão decentes terem taxas de crimes tão mais baixas, se responde com "mas a cultura é diferente" (quando não se apela para "não se tem essa gente ruim").
para não citar as prisões injustas, como a de Mario Cirlei Brito, vitima de um erro de identificação. |
E aí vem a questão do ex-presidiário; como pode o indivíduo que já tem todos esses estigmas e que raramente é capacitado ou educado dentro da prisão - embora seja um direito constitucional e um dos pilares do processo de ressocialização, apenas 8,6% dos presos estão inclusos em programas educacionais, e somente um quinto dos presos está trabalhando. Fora da prisão, a marca de "ex-presidiário" é garantia de desemprego (visto que muitos acham correto não contratar ex-presidiários, porque "vai que me mata"), da impossibilidade de se alugar uma casa, e até de contratar certos serviços. Sem oportunidades, não lhes resta muito senão o crime.
E agora?
Fonte: Latuff |
Mas há outro problema por vir: recentemente, a Deputada Federal Antônia Lucia (PSC-AC) apresentou uma PEC que eliminaria um benefício direcionado aos familiares de presos que tenham contribuído com o INSS. Alegando que o auxílio reclusão, criado em 88 para garantir a subsistência de filhos de detentos (e não "criado pela Dilma para dar dinheiro pra vagabundo", como se espalhou pela internet), é "um estimulo a bandidagem", a deputada propõe deixar ao relento a família do preso - explicitamente como uma punição adicional, novamente em violação da constituição, punindo inocentes pelo crime do pai/mãe - para dar auxílio à vítima do crime, que já pode exigir indenizações do réu e do estado. O resultado disso, na melhor das hipóteses é virar os prejudicados - crianças - para a miséria e o crime. No pior, mata-los de fome.
"Tá com pena, leva pra casa".
Considerações sobre o clichê. |
A lógica de desumanização do outro, e a hostilidade do "debate" em evidência. |
Só para responder a alguns "argumentos" comuns em prol dos maus tratos aos detentos - primeiro, o clichê do "tá com pena, leva pra casa": não se trata de ter pena - trata-se do que estamos fazendo como sociedade, nos rebaixando a tortura e a degradação do ser humano em nome de uma "justiça" que não tem nada de justiça, e muito da mais baixa vingança. Argumentem o quanto quiserem que o cidadão X é um assassino - mas isso não justifica sequer torturar "X", quanto menos "Y", que foi preso por roubar uma garrafa de cerveja, "Z", que foi preso por desacatar o policial, e "A", preso por que parecia suspeito e ninguém se ergueu para defende-lo.
Outro é o "só defende bandido quem é bandido" e o seu parente, "direitos humanos para humanos direitos".; Não sou uma mulher, mas defendo as feministas. Não sou gay, mas sou a favor do movimento LGBT. Não sou uma árvore, mas defendo o ambiente. Não fumo e nem quero fumar maconha, mas sou a favor da legalização. Não sou um "bandido"; o que eu defendo são seres humanos, reduzidos a um descritor negativo por causa de um ato, que não define o todo que eles são. Por trás de cada preso há uma história de vida; têm pessoas horríveis, tem pessoas que escolheram mal, tem pessoas inocentes e tem pessoas que não podem responder pelos seus atos, por razão de doença mental. Não são esse monstro caricato que é "o bandido" - e qualquer um pode se encontrar nessa situação, por erro, por desvio, por falha da justiça. São ainda pessoas, e devem ser tratadas como tal. E sinceramente, acho que o humano menos direito é o "cidadão de bem" que tem uma tara por violência do porte do "bandido bom é bandido morto".
Sugestão grotesca: usar presos como cobaias. Independente do Crime. |
O último é "quero ver dizer isso quando um desses animais tiver com uma arma na sua cara". Beeem... eu já fui assaltado cinco vezes; já fui espancado saindo de uma festa; já fui expulso de um ônibus por adolescentes xenófobos, e já fui ameaçado por "cidadãos de bem" por defender que jovens de comunidades carentes não fossem tratados como bandidos "preventivamente"; que conservadores e capitalistas fizessem suas próprias manifestações, ao invés de se apoderar das promovidas pela esquerda; por dizer que todos merecem um julgamento justo, entre outras - e mesmo assim, não acho que morte e tortura seja a solução. Como diria Salvor Harding, a violência é o último refúgio do incompetente - e é isso que o nosso sistema prisional é: incompetente, mantido por incompetentes e elogiado por uma população que cultua a incompetência. E isso tem que mudar - antes que a sociedade inteira seja pior do que o pior bandido.
Um único inocente punido invalida o sistema - ainda mais quando essa pena é tortura, ou morte.
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