quinta-feira, 27 de junho de 2013

Os protestos voltaram ao normal?

Não participei das passeatas desta quarta-feira. Confesso, a progressiva "coxinhização" dos movimentos me deixou demasiado frustrado para conseguir juntar-me a mobilização. Temia que novamente me visse em meio a gritos de "Fora Dilma", "Abaixo a PEC 37" (que caiu nesta terça-feira), "redução da maioridade penal", "Não à corrupção" e a intensa cantoria patriótica que suplantou a luta do Movimento Passe Livre desde aquela quinta-feira fatídica há duas semanas.

Mas acompanhando de vista a manifestação aqui de Joinville junto com a minha namorada, uma surpresa mais do que agradável: vendo a passagem da manifestação do MPL, poucos sinais das pautas típicas da direita ou da alienação política que marcou a semana anterior. Apenas alguns perdidos "Podia estar matando, podia estar roubando, mas os políticos fizeram primeiro" (que carece de um problema a ser combatido) e um cartaz sobre algo ligado a "urna eletrônica ser fraude eleitoral", a velha pauta que surge todo período eleitoral - e que faz pouco sentido: implantada durante o regime de FHC, se a função da urna fosse roubar a eleição, jamais que Lula chegaria ao poder (ao menos que o sujeito insinuasse que era uma conspiração secreta do PT dentro do governo do PSDB - ou que durante o governo FHC a urna era honesta, mas depois passou a não ser, mas não vou me meter com teorias da conspiração aqui).

De resto, era apenas o MPL e a esquerda que sempre o apoiara - nada dos gritos de "sem partido", nada da cantoria do hino nacional, de "eu sou brasileiro com muito orgulho", das máscaras de Guy Fawkes e daquele estranho clima de carnaval (ou marcha cívica) que marcou a semana anterior. Ao invés de uma massa de 12 mil pessoas com uma miríade de pautas enfraquecidas, uma única pauta dando as caras com força. E que chegou ao ponto de ocupar o terminal urbano (pulando a catraca, e não na travessia com cara de marcha cívica da semana passada). Algo que não era visto desde que tivemos a população "se solidarizando" com os jovens do MPL depois que estes apanharam - e muito - naquela fatídica quinta-feira marcada pela violência contra tudo e todos por parte da PM de São Paulo.

Teríamos aí o retorno dos verdadeiros protestos? Pautas claras e pessoas politizadas nas ruas, ao invés da aura vaga e dos gritos fascistas de "sem partido" e o culto fervoroso a bandeira nacional - que culminaram no ódio violento às esquerdas, nas agressões contra militantes partidários, e em seu ponto máximo, casos como o incendiamento de bandeiras estaduais? Uma coisa é certa: a esquerda conseguiu virar o jogo e voltar a ter presença de fato nas ruas. E isso é uma coisa a ser admirada.


O caos próximo ao Mineirão
Infelizmente, a relativa tranquilidade vista em Joinville não foi sentida no resto do país: em Minas Gerais, os protestos foram marcados pela ainda forte presença de vândalos, com direito até a explosivos improvisados; Em Teresina, um rapaz de 15 foi esfaqueado durante a manifestação; No Rio de Janeiro, a Policia Militar recorreu a bombas de efeito moral para liberar as rodovias; E no Distrito Federal a manifestação terminou com 27 presos, invasão da câmara dos deputados, e uso de mais bombas de efeito moral. Ainda estamos em um estado de tensão no país.

Com as significativas vitórias de algumas das pautas que poderiam levar a perda de forças das centenas de milhares (1,5 milhão, da última vez que acompanhei) que foram as ruas, alguns já se sentem vitoriosos: tivemos a queda da PEC 37 (embora nem tudo nela fosse ruim - mas a maior parte de fato era); A corrupção passará a ser crime hediondo (embora ninguém vá ser punido ainda pois a lei não pode retroagir...); Teremos uma reforma política considerável (mas quem a pedia agora diz que isso é golpe... e que não sabemos como será); tivemos uma proposta aprovada para reduzir o transporte coletivo em todo o país (se as empresas não se aproveitarem); e foram aprovados mais investimentos na saúde e na educação. Tudo isso é muito positivo - e desarma parte daquela sarna golpista que a direita mais radical insistia em coçar. E para fechar a virada, o ídolo da massa reacionária, Joaquim Barbosa, declarou seu apoio ao plano da Presidente de fazer a reforma por plebiscito. Uma bomba a menos, possivelmente.

Manifestantes ocupam ônibus "cedidos" em Joinville
Mas como demonstra o blogueiro Marcelo Rubens Paiva, do Estadão, isso não significa que a direita abandonou a tentativa de cooptar as manifestações - ou sequer que ela tenha aceito a presença da esquerda nas ruas. Ainda há esforço nas redes sociais para se expulsar violentamente a esquerda e os movimentos sociais. Mesmo nas manifestações organizadas por grupos como o MPL, são visíveis as tentativas de grupos como o Liber de sequestrar a movimentação para defender pautas completamente contrárias aos organizadores - como a privatização do transporte coletivo.

Ainda temos gente propondo que se expulsem "os vermelhos" das ruas. A velha publicação reacionária ainda tenta acusar os partidos de esquerda de serem oportunistas e de tentarem "desacreditar a movimentação do povo" - quem entende sabe que publicação é. Ainda existe nas redes sociais a sugestão da queima das bandeiras partidárias, mas com menos reconhecimento da população em geral - felizmente, parece que voltamos a ter um dialogo político saudável nas ruas.

O temor de um golpe foi reduzido - talvez até exposto como ridículo -  mas ainda não estamos exatamente livres. Mesmo com o relaxamento da onda, e a redução nos números dos direitistas tentando se apoderar das manifestações da esquerda, ainda vivemos uma situação tensa. E é claro, a retomada da esquerda foi em Joinville - no resto do país as coisas não foram tão tranquilas. Os números tem caído. As PMs tem retomado a repressão, e ainda é cedo para dizer se as medidas propostas pela presidente surtirão efeito em acalmar a população. Por ora, a coisa mais inteligente a se fazer é esperar para ver.

E por favor: não façam mais isso. 
Quanto a direita: se querem se manifestar, sintam-se a vontade. O problema não é a expressão de suas vozes, mas sim as tentativas de se apoderarem de movimentos ligados a esquerda como sendo seus. Organizem suas próprias passeatas, ao invés de tentarem comandar uma do MPL, do grupo Mães de Maio, do Grupo Gay da Bahia, ou qualquer que seja o movimento social. Isso não é uma ameaça: é um convite para que demonstrem ao país o que querem.

Assumam seu posicionamento político-ideológico, ao invés de gritar "sem partido" a cada bandeira vermelha encontrada - enquanto continuam a ignorar as faixas em apoio à "volta dos militares", pedindo "o fim da esquerda", ou clamando por Barbosa para presidente: todas essas pautas tem sim partido - toda pauta o tem. Se querem ir a luta, que lutem! Mas façam isso de maneira honesta, sem tomar a luta alheia para si e acusar aqueles que lutavam há anos de serem oportunistas. Se querem mostrar como suas bandeiras são a retidão e a integridade, demonstrem isso na prática.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Reforma? Que tal começar tirando o dinheiro da política?

Parece que as coisas estão finalmente para mudar: depois de uma semana de protestos raivosos e sem direção na cauda de outra semana de manifestações direcionadas à causas claras, a presidente Dilma Rousseff propôs uma série de medidas decisivas nesta segunda-feira. No meio dos 5 pactos erguidos pela chefe de estado durante a reunião com os governadores e os prefeitos das capitais, estavam as pautas óbvias da educação, saúde e transporte. Mas havia uma questão maior maior: a proposta de um plebiscito para levar adiante uma reforma política no país.
Mais do que um debate estamos aqui para procurar soluções. Buscamos respostas, todas elas republicanas e participativas, aos problemas que inquietam e mobilizam o povo brasileiro - disse Dilma na abertura da reunião que convocou com todos os governadores, prefeitos das capitais e seus principais ministro - O povo está nas ruas dizendo que quer as mudanças, está nos dizendo que quer mais cidadania. Quer serviços públicos de qualidade, mecanismos mais eficientes de combate à corrupção - Dilma
Eu queria estar brincando.
Até aí, tudo bem, certo? Não é essa uma das coisas que os manifestantes nas ruas queriam, uma reforma política que levasse a um mais intenso "combate a corrupção" (coisa que por si só não é pauta, como bem explicado aqui). Mas para a surpresa geral de ninguém, as mesmas pessoas que semana passada clamava por uma reforma política, que pedia para fechar o congresso para "uma democracia direta" onde "se votasse em leis pela internet", agora chama a possibilidade de ter a dita reforma de... GOLPE. Pois aparentemente, convocar uma constituinte (como eles pediam) é anticonstitucional - mas depor a Presidente para por o Joaquim Barbosa (que eles não sabem que é petista) e fechar o congresso, não é golpe. Alguém me explique por favor.

Sem comentários quanto ao FHC
E é claro, a oposição está possessa: para o senador Aécio Neves (do PSDB de Minas Gerais - onde usaram munição de verdade contra os manifestantes), o discurso da Presidente é um "Brasil velho falando para o novo". E emendou que a presidente estaria "dividindo a responsabilidade com prefeitos e governadores" e "esquecendo que o PT governa o País há 10 anos". Aécio também se esquece que o executivo federal não manda nos municipal e estadual - este último na mão do PT em apenas quatro das 27 unidades federativas. Já o senador José Agripino (DEM-RN) diz que a oposição não é contra "a consulta ao povo" - mas ao mesmo tempo diz que não é necessário um plebiscito para... consultar o povo. É como um "sou contra a violência, mas precisa meter bala em vagabundo".


Não discordo que uma constituinte - a ser autorizada e depois ter seu resultado reconhecido via plebiscito - não seja a melhor maneira de tratar essa questão. Nossa constituição tem recursos que permitem sua alteração: as PECs. Mas estas além de mal compreendidas pela população (que parece crer piamente que a presidente é responsável pela proposta de todas as Emendas Constitucionais, e mais importante, que o executivo pode vetar Emendas da mesma maneira que pode vetar Leis - as primeiras são prerrogativa exclusiva do legislativo), sofre com a morosidade do nosso legislativo - e com a atual composição do mesmo, só passariam PECs como a atroz 99/2011 - que equipara as organizações religiosas com o executivo e o legislativo - ou  a 33/2012 - que reduz a maioridade penal.

O que manda na política mundial... Está certo isso?
Temos muita coisa a ser reformada, mas duas coisas em minha opinião são cruciais. A primeira, o financiamento de campanha precisa ser público. Uma das maiores fontes de corrupção no mundo é o poder econômico, e ao permitirmos que empresas, "grupos de interesse" e pessoas físicas controlem os fundos de campanha, estamos entregando o controle político a quem tem mais dinheiro. Ninguém recebe dezenas ou centenas de milhares de reais de um grupo, empresa ou pessoa para não trabalhar para ela - menos ainda sabendo que sua reeleição depende disso. No mínimo, há de ser estabelecido um limite de arrecadação, caso contrário o poder ficará eternamente nas mãos de quem tem mais dinheiro - e óbvio, proibir as doações por empresas e organizações.

A outra coisa a ser mudada completamente diz respeito à corrupção: precisamos não só tratar a corrupção dolosa como crime hediondo, mas também tratar o corruptor como um criminoso. Punimos o político pego recebendo dinheiro de lobistas, mas ainda permitimos que estes vaguem livremente pelos corredores do congresso nacional. Pede-se a cabeça de um prefeito quando o preço da passagem aumenta, ou quando uma obra pública desmorona... mas e quanto aos empresários que distorcem a legalidade para conseguirem tais coisas? Não raro escapam para cometer os mesmos crimes novamente, especialmente quando são "grandes demais para falhar".


Não podemos esquecer que estes não são problemas brasileiros, ou problemas do governo do PT. O mundo todo lida com a influência perversa e invasiva do poder econômico, que se manifesta no lobby belicista da NRA nos EUA, na pífia punição dada ao HSBC por 60 trilhões de dólares de transações escusas, e nos bail-outs constates dados a bancos e empresas "grandes demais para falhar". Enquanto aqui temos essa ainda nascente proposta de reforma política, bastante tardia... Nos EUA tem-se o Wolf-PAC de Cenk Uygur, para tirar o dinheiro da política. Acho que é hora do Brasil fazer algo parecido.

Sério, WHAT?

E por último... chega a ser patético como os mesmos que acusam a esquerda de reductio ad Hitlerum quando se apontava o fascismo nascente nas manifestações usem reductio ad Chavez tão logo Dilma faça exatamente o que eles pediram. Não dá pra não rir. Ainda mais de uma análise tão superficial quanto a que levou a imagem acima.

domingo, 23 de junho de 2013

Audaciosamente indo onde a TV jamais esteve...

"Espaço: a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise. Em sua missão de cinco anos... para explorar novos mundos... para pesquisar novas vidas... novas civilizações... audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve"

Era com estas palavras que se abria cada episódio da série original de Jornada nas Estrelas, uma ótima súmula das tramas que aguardavam o espectador - e enquanto na telinha o capitão James Tiberius Kirk (William Shatner), seu fiel oficial de ciências Sr. Spock (Leonard Nimoy) e o altamente emotivo oficial-médico McCoy (DeForest Kelley) iam "onde nenhum homem jamais esteve", por trás das câmeras o criador Gene Roddenberry audaciosamente ia onde a tv jamais havia ido. Vendendo a série como uma mera aventura espacial, Roddenberry fez na TV aquilo que a literatura de ficção científica, e não poucos filmes já faziam: trabalhar os problemas sociais e políticos através de alegorias futuristas e propor um mundo onde estes eram resolvidos pela razão, a ciência e o humanismo. O que para a literatura já era banal, trabalhado em obras como Lensmen, Fundação e Skylark, na TV ainda era novidade - apenas as antológicas Twilight Zone e Outer Limits se arriscaram nessa praia, e não tão fundo quanto Star Trek ousava.

Se hoje a série original de Star Trek parece ficção "trash" e até "genérica", em 1966 Trek era uma proposta arriscada, e assim como seus bravos exploradores estelares, desbravou novas fronteiras da produção televisiva. Em uma época em que o racismo ainda imperava nos EUA, se destacou não apenas pelo elenco central multi étnico - marcado pela estonteante oficial de comunicações Uhura (Nichelle Nichols, negra), o navegador Hikaru Sulu (George Takei, asiático e como hoje se sabe, mais-gay-que-o-Elton-John, Oh my!) e o engenheiro Scotty (o canadense James Doohan, fazendo papel de escocês quando estes eram muito discriminados) - mas por ser a primeira série de tv americana a faze-lo. Sua segunda temporada arriscou ainda mais com a adição do alferes Pavel Chekov (Walter Koenig), um russo heróico em plena guerra fria, e cuja introdução foi anunciada com elogios pelo jornal estatal soviético Pravda.

Alguns marcos só foram alcançados graças ao empenho dos atores - ao saber que seriam gravadas duas versões para o que poderia ser o primeiro beijo inter-racial da TV americana no episódio "Plato's Stepchildren", uma delas sem o beijo, Nichelle Nichols e William Shatner deliberadamente estragaram todos os takes, garantindo que a cena iria ao ar como planejado. Em sua auto-biografia, Nichols menciona que a única tomada "aproveitável" sem o beijo ainda envolvia Shatner "vesgo" - e que após dias de gravações perdidas, os figurões da NBC cederam e deixaram o beijo ir ao ar.


É fácil pensar que Trek foi, como seu concorrente Perdidos no Espaço, apenas mais um fruto bobo da FC barata dos anos 60 - mas fazer isso seria ignorar a imensa influência cultural e tecnológica de Star Trek - e não falo apenas nos Trekkies! Se hoje telefones celulares, tablets e outros apetrechos tecnológicos são uma rotina, isso em grande parte se deve a Star Trek: o inventor do primeiro telefone celular portátil, Martin Cooper, citou os comunicadores da série como sua inspiração. Então gerente de sistemas da Motorola, Cooper tropeça nos fios do telefone ao mesmo tempo que via Kirk comunicando-se tranquilamente enquanto caminhava por uma paisagem alienígena. “Subitamente lá estava Kirk falando em seu comunicador” lembra-se “conversando, sem cabos!”. Cooper é apenas um entre os muitos inventores e cientistas que se espelharam nas maravilhas futuristas de Star Trek, querendo trazer um pouco daquele mundo para o nosso. O primeiro ônibus espacial recebeu o nome de Enterprise, em homenagem a nave de Kirk; Impressoras 3D, teletransporte, replicadores de alimentos, escâneres universais - Roddenberry nos tentava com tudo aquilo, e mais.

The fact is, never in the history of any entertainment medium has there ever been a story, an idea, a situation, a set of characters, or a theme that has approached the magnitude or impact of Star Trek. -Stephen Edward Poe, A Vision of the Future

Da mesma maneira,não fosse Jornada nas Estrelas desbravar o caminho, não haveriam obras como a "vencedora" em popularidade Guerra nas Estrelas, as séries de TV Battlestar Galactica, Babylon 5 e Stargate. Não haveriam jogos como Mass Effect, Homeworld e X³ - ou seriam consideravelmente diferentes. Estava aberta uma caixa de pandora que mudaria a ficção científica "popular" para sempre, e geraria um legado de mais de 700 episódios em 30 temporadas de televisão, 12 filmes e mais de 40 jogos, acumulando 140 indicações ao Emmy e 31 premiações.

As aventuras espaciais eram apenas uma faceta da obra de Roddenberry - embora o Trek original ainda refletisse muito da ideologia intervencionista americana, o futuro apresentado pelas viagens da Enterprise era muito diferente do status quo americano: a Federação Unida dos Planetas nos proponha um admirável mundo novo (sem ironia, ao contrário do clássico de Aldous Huxley) sem miséria, desigualdade ou ganância; onde o acumulo de bens materiais e de capital era uma marca de um passado bárbaro, e a humanidade havia abandonado "velhas superstições" em nome do humanismo e o racionalismo. Onde russos e americanos podiam conviver em harmonia, extraterrestres podiam ser nossos maiores aliados, e em qual a solução para os conflitos não se resumia ao uso irrestrito da violência.

A luz da época, no auge da guerra fria, nem tudo isto conseguia ir ao ar - e não eram raros os episódios que contradiziam o caráter pacífico da federação, ou seu status pós escassez. O futuro proposto na Federação só pode se manifestar por completo anos mais tarde, em A Nova Geração - mas as raízes de um futuro especulativo efetivamente socialista já estavam firmemente plantadas. E em uma série de TV comercial dos EUA.

Esse caráter inovador foi meio que perdido em meio as exigências da NBC durante a produção da série original. Ele estava presente no primeiro piloto, "The Cage" - do qual foi aproveitado apenas a premissa e o personagem do oficial de ciências vulcano Sr. Spock - no qual os conflitos eram resolvidos na diplomacia e na inteligência pelo Capitão Christopher Pike (Jeffrey Hunter, e o personagem foi muito bem resgatado pelos recentes filmes de J.J. Abrams, por sinal). Mas o canal queria algo menos "cerebral", e o resultado final envolveu um capitão mais "audaz", jogo rápido e soluções mais "ativas", e conseguiu o que esperava em um segundo piloto, "Where no man has gone before". A versão “resolver diplomaticamente, violência em último lugar” teria que esperar mais um pouco, e a mensagem anti-militarista só tomaria o palco plenamente em 87 com a Nova Geração, mas era algo.

Está podre, Jim...
Claro que, na prática, Trek não foi tudo aquilo: O tempo de produção restrito, orçamento baixo, uma boa dose de roteiros medíocres (do qual se destaca tranquilamente o abismal “Spock’s Brain”) e a falta de empenho de certos atores no papel muitas vezes resultavam no mais puro humor acidental, quando não chegava aquele “belo” nível de tão-ruim-que-é-horrível. Eram lutas risíveis, atuações dolorosas e defeitos especiais como o terrível monstro alienígena Horta, vulgo "a pizza de semana passada" - assim como a inglesa Doctor Who, a série original de Star Trek nem sempre primava pela qualidade visual, e mesmo quando boa, isso não envelheceu bem (Ao contrário de sua rival na cultura pop, Star Wars).

Assistam, e entenderão...
Isso para não mencionar quando aquilo que era uma das mais progressistas séries de ficção científica na TV americana acabava por cair nos mais vis estereótipos - tramas como “Code of Honor”, de TNG, onde os primitivos e tribais alienígenas com os quais Jean Luc Picard (Patrick Stewart) deve negociar não apenas são todos interpretados por atores negros, como ainda se vestem com trajes tribais africanos - ou a caricatura anti-semita dos Ferengi, alienígenas que deveriam ser “os novos Klingons” (esses em si já uma caricatura da "ameaça vermelha" - a série nunca primou pela sutileza), mas que logo em seu primeiro episódio tornaram-se piadas de mal gosto. Graves tropeços em uma série que propunha algo melhor.

Gene Roddenberry faleceu em 1991, deixando para trás um mundo muito alterado por sua visão. Em reconhecimento a sua contribuição em mover a humanidade em direção as estrelas - e ao dia em que teríamos, parafraseando o astrônomo Carl Sagan, não um nascer do sol, mas um nascer da galáxia - a NASA lançou suas cinzas ao espaço. Em morte, assim como em vida, seguia "audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve antes". Cabe a nós como espécie seguirmos, e levarmos em frente uma sociedade com aquele quê de humanismo e curiosidade científica - e não exploração gananciosa - que Gene nos mostrava em 1966. Uma vida longa e próspera a todos, e Dobra 5 a frente, senhor Sulu!

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Estamos voltando para 1964?

Uma imagem bela de um movimento nada admirável
Tem muita gente achando lindas as manifestações que rolaram ontem pelo país. Mas tenho que dizer: o que eu vi e o que li nada tinha de belo ou admirável. Já não vi com bons olhos as tentativas de censurar os movimentos sociais na organização pelo Facebook, e menos ainda as pautas erguidas por parte dos manifestantes. A caminho da concentração, me chamou o imenso efetivo policial disponibilizado para o evento.

Isso, e os jovens com mascaras de Guy Fawkes e cidadãos "engajados" que até semana passada desprezavam os movimentos sociais, munidos cartazes de propostas as vezes bem pensadas, as vezes genéricas, as vezes horríveis ("Abaixo a ditadura do Ibama" foi a que me deixou mais estupefato, junto com "Joinville está com você Marcos Feliciano) - mas nenhuma delas local. Queriam que Joinville por si só resolvesse problemas do governo federal. 10 mil cidadãos em marcha - e a maioria parecia não saber o que é atribuição do governo local.

Participei da manifestação aqui em Joinville, junto ao pessoal do Movimento Passe Livre - e de início as coisas estavam boas: muita gente na rua, o MPL com uma pauta bem definida, um protesto tranquilo (talvez até demais)... Apesar da horda de PMs que vi mais cedo, o primeiro sinal da presença policial que vi foi quando passamos em frente ao Bradesco - e nas palavras de uma amiga, eles estavam "de boas".

Mas conforme as coisas avançaram, eu fui lentamente sendo puxado "para trás" da mobilização, onde estava o pessoal não ligado ao MPL. E aí as coisas começaram a me incomodar - eram gritos de Abaixo à Corrupção, cartazes contra a Copa, "Não queremos mais dentistas queimadas", e outras causas que nada tinham a ver com o movimento - alguns casos, eram até contrários às causas do MPL. No lugar das palavras de ordem do MPL, vinha o ufanismo do hino nacional e "Eu sou brasileiro, com muito orgulho". Quando foi que entrei em um movimento nacionalista, não sei dizer - mas era o que me cercava.


Quando chegamos a  altura do Terminal do Centro, havíamos perdido o MPL de vista - e a multidão se espalhou. A travessia do terminal em si foi a parte mais insólita: quando que se permitiu que manifestantes entrassem no terminal? Parte do grupo "tomou" a Prefeitura (simplesmente ficando em frente a mesma) aos gritos de "A prefeitura é nossa", enquanto um punhado deles ainda emendava "Fora Carlito" - o grau de alienação pode chegar a esse nível de não saber quem é o prefeito?


Me ausentei da manifestação brevemente para acompanhar uma amiga de volta ao centro enquanto "ocupavam" a Prefeitura. Quando retornei, vi jovens com máscaras de Guy Fawkes e cidadãos com cara pintada desorientados, ignorando a marcha do MPL, e achando que por terem parado em frente a Prefeitura estava terminada a manifestação. No geral, em Joinville foi tranquilo - mas ainda assim... vazio. E após o fim da passeata (que mais pareceu marcha cívica), vimos os mesmos alienados protestando no Facebook porque o MPL "havia roubado a manifestação". 


Anteriormente haviam tentado expulsar o PSOL e Leonel Camasão da manifestação, acusando os de oportunismo, quando o PSOL, e mais ainda o Leonel sempre estiveram envolvidos com os protestos do MPL. Agora, de maneira muito pouco sútil, tentavam "desconvidar" a Esquerda e o Passe Livre para as próximas manifestações - no caso, um ato contra a PEC 37, neste sábado. Nós podemos ir, é só "não chamar atenção", para colocar nas entrelinhas. 

Agora o resto do país...


Enquanto em Joinville o problema foi a falta de direção dessa massa desgovernada e anti-partidária (mas que se acha apartidária), combinada com uma dose considerável de alienação, no resto do país a situação foi grave - e violenta, apesar dos gritos de "Sem violência". Com 1,2 milhão de pessoas nas ruas, o resultado não foi nada bonito. Começando por São Paulo, onde o MPL desistiu da mobilização frente as pautas conservadoras (como redução da maioridade penal, estatuto do nascituro, "mais segurança"), o que se viu foi um espetáculo de fascismo



Aos gritos, tapas e pedras, os partidos da esquerda (mas só os da esquerda) e os movimentos sociais foram sendo expulsos do movimento. Resta agora só uma onda nacionalista desgovernada "apartidária" mas que assume as pautas da direita. Pedem por mais segurança usando como causa a dentista queimada viva em São Bernardo do Campo - mas não levantam a voz para pedir segurança aos jovens de comunidades carentes que são mortos todos os dias. Gritam pelo Impeachment da Dilma e ao PT, mas nada de berros de fora Alckmin. Se "solidarizaram" com o MPL após a repressão - mas agora são violentos com a esquerda e o próprio MPL, e são amigáveis com a PM.

Militantes e transeuntes foram agredidos pelo simples fato de usarem vermelho, sob os gritos de "o protesto é para todos" e "fora comunista" (chega a ser hilário que não notem a contradição). Aqui em Joinville, a resposta dada a quem criticou a tentativa de proibir a participação de partidos, sindicatos e movimentos sociais foi "A passeata é livre, é de todos, se deixar entrar deixa de ser". Puro duplipensar Orwelliano.

E agora temos essa massa cada vez mais fascista - já se fala em linchar "os comunistas", então temos estabelecido aí o "grande inimigo" - movida a um ódio por um governo que sequer sabem como funciona. Ao invés de levantarem propostas lógicas, pedem por um golpe de estado - e respondem com "não queremos golpe, só que se feche o congresso e coloquem o Barbosa no poder".

Agora Brasília discute que rumo tomar quanto as manifestações, após a depredação do Palácio do Itamaraty (por sinal: sede do ministério de Relações Exteriores, que nada tem a ver com os assuntos internos do país). Os militares repetem as velhas mentiras de que o governo atual planeja um golpe comunista. O caos crescente toma as cidades, e tudo parece apontar para um novo golpe. Meus parabéns, anti-partidários "defensores da liberdade" (contanto que não de esquerda). Vocês estão nos levando de volta a ditadura.

Espero estar errado.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sem partido, sem ideologia, sem honestidade


Como eu falei anteriormente, bastou as manifestações do Movimento Passe Livre obterem o apoio da grande mídia para termos uma ameaça maior do que a repressão: a cooptação da mobilização por uma direita que até semana passada achava que aquilo era "coisa de vagabundo". No meio de um movimento tradicionalmente ligado a esquerda, surgiam vozes pedindo o fim "do esquerdismo" e do "comunismo".

O pedido por um golpe do judiciário...
Isso junto com pleitos que só podiam ser frutos de pouca instrução política - do tipo que leva alguém a achar que Dilma é responsável pelas decisões dos governos municipais, que deputado, vereador e senador fazem obras, e que super faturamento é um problema que se resume aos políticos, quando o agente ativo destas são também as empreiteiras e prestadoras de serviço. Não adianta exigir maior punição de políticos corruptos se estes continuarão servindo de laranjas e bodes expiatórios para empresários intocáveis e nada será feito com os lobistas de empresas que compram políticos e fiscais. Também se esquecem que esses problemas não são só do Brasil, ou só do governo PTista.

Ei, você, que deseja mudar o Brasil....

Você sabe como funciona o sistema político brasileiro?
Você sabe o que é uma PEC?
Você sabe o que faz um deputado? E o que faz um vereador?
Você sabe quais são os direitos e os deveres do cidadão?
Você sabe como são estruturados os três poderes no país? 
Você sabe quais pontos estão sendo discutidos para uma reforma política?
Você sabe o que é PPA, LOA, LDO?
NÃO! Então aproveita!!!! Use sua energia e sua raiva contra o sistema atual e mude ele, ou melhor, SEJA ELE. Todo cidadão tem que fazer política e eu não estou falando de partidos. As pessoas precisam entender que democracia não é ir às urnas a cada quatro anos e depois deixar que os eleitos façam tudo. Você tem responsabilidade, também!
O governo de São Paulo e a Prefeitura revogaram o aumento das tarifas. Mas como eles vão cobrir os custos, se antes diziam que não era possível. A população sabe como funciona as regras do transporte coletivo? Saber não é apenas um direito, é um dever!
Se o poder público paulista recuou diante das manifestações, significa que o povo pode decidir as coisas, quando ele quer. Mas nós temos que saber o que a gente quer. A corrupção está dentro da sociedade brasileira, o que acontece em Brasília é um mero reflexo.
Vamos pedir uma reforma política? Eles (os deputados) já estão discutindo isso. VAMOS SIM! Mas precisamos saber como funciona a política, para depois pedir uma reforma! - Giovanni Ramos 
 E na onda dessas pessoas sem compreensão de como funciona o cenário político - incapazes de entender sequer o motivo pelo qual Bertrand Russel ressalta em seu "Ideais Políticos" pelo qual direitos de minorias jamais deveriam ser decididos por via plebiscitária. Pelo contrário: propõem que todo o legislativo seja feito por "plebiscito online", jogando a já combalida geração de leis na mão de um povo mal instruído, e que demonstra constantemente ser incapaz de compreender o que a democracia significa - vide a insistência de que é "ditadura da maioria", ou a oposição ao casamento civil de pessoas do mesmo sexo por motivos religiosos.

Problema: a presidente não controla o legislativo. Não faz julgamentos.
Não controla os governos municipais. Não cria leis ou CPIs, e não aprova
leis. Ou seja: as demandas não tem a ver com o executivo, e a
presidente assinar isso não muda nada. 
Isso quando não entramos no tema do "movimento anti-corrupção" - sem definir direito contra o que está se lutando, e tomando como inimigo uma coisa tão mal vista e "genérica", não há como se ter resultados. Que político ou empresário vai responder a isso com qualquer coisa além de promessas vazias? Acham que alguém vai se dizer a favor da corrupção? Estão procurando uma cura para o vírus, ou para bactéria, ou para o câncer (que ainda é um pedido popular, embora câncer sejam várias doenças, e não uma).


Ainda vivemos em uma democracia incipiente, onde se pede ao vereador para que ele faça obras, ou traga mais gente pro postinho - quando cabe a este propor e votar leis. Da mesma maneira, culpamos o presidente, o chefe de estado, líder do executivo, quando o congresso (legislativo) propõe ou aprova uma lei que não nos agrada. Parece que como povo não caiu ainda a ficha do que cada esfera e cada poder faz, então culpamos o federal pelas falhas do municipal, e esperamos que o judiciário assuma o papel do legislativo (o que ele infelizmente as vezes de fato tem que fazer).

E em meio a tudo isso vêm uma ira descomunal contra os partidos e a política em si, por parte de gente que nunca tentou entender como ela funciona, ou o que é um partido. Simplesmente gritam que o movimento é apartidário (quando sempre fora ligado a esquerda), apolítico (quando era sobre políticas de mobilidade urbana) e sem ideologia (algo que é completamente impossível, pois todo discurso trás em si uma ideologia). E nesse furor "apartidário" - mas que traz as pautas dos partidos da direita - o que fazem? Alegando evitar "oportunismo", tentam expulsar os partidos que sempre estiveram ligados ao Movimento Passe Livre, quando não querem chutar para o escanteio o próprio MPL. E tentam proibir qualquer expressão partidária nos manifestos - chegando ao uso da violência para cortar a esquerda fora.

 

Mas agora querem fingir que os movimentos que sempre
estiveram lutando "querem se aproveitar do holofote".
Ao mesmo tempo, choramingam às criticas do seu sequestro do movimento alegando que "a esquerda quer ser dona do movimento" e "querem proibir a direita de se manifestar". Mas não foi a esquerda que produziu cartazes como os do final deste texto. Ninguém está proibindo a manifestação da direita - o problema é depois de historicamente hostilizarem o MPL, se aproveitarem dos holofotes para promover uma causa contrária. E substituir a causa original por um ufanismo vazio, quase digno dos tempos de "Brasil, ame-o ou deixe-o". 

Para por em termos simples: pensem que fizeram uma boa festa, e querem repetir. Aí seus vizinhos que só reclamaram aproveitam a organização para chamar os amigos deles, trocam o estilo musical, dizem que a festa "é de todo mundo" - mas ao mesmo tempo tentam te expulsar. Esse é o problema. Se queriam fazer protesto "pelo impeachment da Dilma", "contra a PEC 37", "Contra Renan Calheiros", pela volta dos militares, pelo casamento tradicional, por leis definidas por plebiscito online, por PS4 à mil reais, por mais investimentos na saúde, pela lei da ficha limpa, ou o quer que seja, seja nobre ou insana a causa... porque não o fizeram por conta própria? tinham que esperar o MPL estar na mídia para dizer que não, o MPL nada tinha a ver e fomos nós o tempo todo? Honestidade intelectual e politica é uma virtude. Não as desperdicem. 







Quem está tentando expulsar quem mesmo? 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

A chantagem de Feliciano

"Se governo interferir na cura gay, haverá rebelião evangélica" - Marco Feliciano

Pois é: enquanto ninguém olhava, o figura ao lado foi e fez o que há muito ameaçava fazer... Colocada na pauta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, sob a presidência do racista e homofóbico pastor Marco Feliciano (PSC), nesta terça-feira, o projeto de lei que autoriza a "cura gay" foi aprovado na surdina - e agora segue para o plenário da Câmara.

Por si só a validação de tal excrecência é estarrecedora: como aceitar que em 2013 a Câmara dos Deputados do segundo maior país das Américas leve em frente a ideia de tratar homossexualidade como doença? E que seus legisladores se achem mais capazes de dizer o que é e o que não é doença do que a Organização Mundial de Saúde e o Conselho Federal de Psicologia? Mas a pior parte não é essa - esta, eu coloquei no começo do texto.


Em um flagrante de descaso com a separação de poderes ou com a democracia, o pastor-deputado apelou para uma coisa simples: a chantagem. Após uma audiência pública a respeito da lei, Feliciano fez a ameaça que abre este post - de uma rebelião por parte dos 80 deputados da bancada evangélica, caso o governo tente impedir de qualquer maneira a aprovação da lei. A tentativa de intimidação se dirigia especificamente a ministra dos direitos humanos, Maria do Rosário - Feliciano recomendou “juízo para a dona ministra” que “mexe onde não devia”.

Enquanto o país passa por um período de instabilidade frente a massa de protestos que correm desde a semana passada, joga essa ameaça mal velada de obstrução do legislativo para garantir que a sua agenda seja cumprida. E com isso propõe desestabilizar ainda mais o país. Não me surpreenderia, frente a cooptação dos protestos pela direita, que a bancada evangélica tente alegar que a pauta dos milhares marchando pelas ruas de todo o país seja "o casamento tradicional" e "a cura gay" - ou que digam que é para barrar a PLC 122.

A torpe ameaça da "revolta evangélica" traz a tona uma velha ameaça à nossa tão combalida democracia: que esta dê lugar à uma ditadura teocrática, frente ao avanço progressivo do conservadorismo evangélico, e a obsessão de segmentos deste credo por controlar as vidas alheias. 

E vale lembrar que homossexualidade não é doença - a OMS não reconhece mais a orientação sexual como patologia desde 1990. Como então pretendem os nossos paleo-conservadores "cura-lá"? Sua base dentro da psicologia se resumem à curitibana Marisa Lobo - que sequer possuí um curriculum Lattes, à data do fechamento deste texto - e o pastor Silas Malafaia - também sem Lattes. 

Enquanto isso,  estudo após estudo demonstra como as terapias de "reorientação sexual" não surtem efeito. Movido à dogmas e ignorância, o congresso nacional tenta legalizar um tratamento sem sentido, que é incapaz de surtir efeito, e para isso tenta atropelar sua autoridade para derrubar uma determinação do Conselho Federal de Psicologia.  

E só para fechar... as sandices de Feliciano agora viraram notícia internacional - sem dúvida graças ao interesse global no país após a onda de protestos combinada com a Copa das Confederações. Meus parabéns, você nos pôs no site da Salon.

O protesto coxinhizado

Após as boas novas da intensa movimentação desta segunda feira - que já discorri a respeito aqui - agora vêm as más notícias da mobilização de mais de 250 mil pessoas por todo o país. Não falo do vandalismo, dos saques realizados aproveitando o caos, ou sequer do retorno da repressão policial - esses fatores, por mais lamentáveis que sejam, são de se esperar ante a revolta. Não, o problema fica mais embaixo: a cooptação de um movimento popular tradicionalmente ligado às esquerdas por parte da burguesia e da direita reacionária.

Embora o fluxo de pessoal novo como resposta a horror da repressão tenha dado força ao levante popular, ele também fez com que o movimento se metamorfoseasse de forma singular. Sem alarde, a pauta original - a revolta contra os aumentos abusivos das passagens no transporte coletivo, o descaso com a mobilidade urbana, a relação promíscua do poder público com as empresas privadas, e a resposta à dura repressão - deu lugar a gritos que muitas vezes eram diretamente contra sua raiz. A direitização do movimento dá as caras em pedidos que vão desde o genérico "contra a corrupção" (como se alguém se posicionasse a favor) até absurdos como o impeachment de Dilma Rousseff ou (pasmem) a volta dos militares ao poder.
A tentativa de redirecionar o foco...

"É evidente que essas questões também são importantes, mas os jovens que estão nas ruas estão preocupados com questões muito mais profundas. A juventude está mostrando que não quer compartilhar dos valores individualistas, consumistas e utilitaristas da geração de seus pais. 
O grito dos jovens está longe de bradar contra os “mensaleiros”, contra a inflação, contra as políticas sociais de transferência de renda. O movimento é progressista por natureza e agora tem de saber lidar com uma ameaça feroz: a direitização. 
O aparelho midiático que serve a esses interesses já foi acionado. A grande imprensa já está mobilizada para maquiar o movimento de acordo com um ideário conservador, por isso o povo precisa fazer seu recado ser entendido."

...Desvia o interesse para a direita..
Não que o rapto do movimento pelos setores conservadores da sociedade não tenha começado antes: começou na semana passada, quando percebeu-se que a repressão não silenciaria o levante, e na onda mor dos protestos, nesta segunda-feira, criou-se o mito de que "o gigante havia acordado". Como se os movimentos sociais tivessem surgido no dia 17 de junho de 2013. Não, o Brasil não "acordou". Ele "ergueu-se" pelo volume das manifestações, mas sempre esteve acordado. E talvez fosse melhor que permanecesse abaixado, sem que se tentasse roubar seu foco.

.... para pedir privatização de bens públicos...
Enquanto burgueses apáticos que nada faziam para protestar fingiam que o "Cansei" contava como protesto, LGBTs, negros, estudantes, maconheiros, feministas, favelados e outros "subversivos" mantinham-se na luta constante, enquanto o país olhava para o outro lado. Agora que não é mais possível desviar o olhar, a mesma direita que semana passava defendia a repressão alega que o movimento é deles, o inimigo é o PT e a esquerda, e que a pauta "real" é a punição dos acusados do mensalão, o fim das cotas raciais e das bolsas qualquer coisa, a redução dos impostos, e tudo menos a mobilidade urbana.

... a volta da ditadura...
A sana dos direitistas que agora tentam roubar um movimento que é acima de tudo sobre a mobilidade urbana, e fazer dele um processo de impeachment contra Dilma Rousseff não é exatamente difícil de entender. Vivemos uma democracia jovem e mal compreendida, não temos experiência em regimes democráticos: a maior parte de nossa história foi uma sequência de ditaduras e curtos períodos onde a população era "meio-que-ouvida". Não é de se surpreender portanto que muitos pensem no chefe do executivo como uma espécie de semi-deus do governo Brasileiro, responsável direto por tudo e todos.

E justamente daí vem a obsessão com culpar o governo do PT (que não é isento de culpa - na melhor das hipóteses, os sacrifícios da governabilidade aleijaram o governo. Na pior, é incompetente e corrupto): da falta de compreensão da democracia. Culpam Dilma por decisões do legislativo (como a de por o PMDBista Renan Calheiros na presidência do Senado); por medidas constitucionais (como o mesmo Renan Calheiros assumir a presidência durante a ausência da Presidenta e do vice); por leis de 1991 (como o auxílio reclusão); e até por medidas de um governo estadual do PSDB (como o cartão recomeço, vulgo "bolsa crack").

... e a desregulamentação total de mercado.
No meio de tudo isso, as manifestações populares encontram-se no risco de duas coisas: ou de serem, como bem definiu um amigo meu, coxinhizadas e virarem mais massa do que conteúdo - algo que talvez já tenha ocorrido nesta segunda; ou pior, lentamente serem transformadas em um repeteco da Marcha com Deus por Tradição, Família e Propriedade, conforme os reacionários suplantem a raiz do movimento - e já há tentativas de "gentilmente" expulsar o Passe Livre das passeatas. E pior: houve manifestantes tentando passar de "defender o transporte público" para "pela privatização total do transporte coletivo".



Reaça, vaza dessa marcha...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

E o Brasil se ergueu...

O auge do levante popular: A casa do povo é do povo. 
Aconteceu, o jogo virou, as coisas mudaram, e em uma tacada só, o Brasil se viu tomado por manifestantes no mais intenso episódio da "Marcha do Vinagre". Contrariando aqueles que achavam que era um movimento pequeno, os números escancaram a realidade: Em São Paulo, são 65 mil; no Rio, 100 mil; em Brasília, foram mais de 5 mil. Outros 20 mil foram as ruas em Belo Horizonte, e o padrão se repetiu por todo o país. Unidos na luta contra um sistema opressor que já cruzou os limites do tolerável, e sem medo de lutar por um amanhã com mais dignidade - e não este presente violento, cujos problemas já citei anteriormente.

Rio de Janeiro.
No ápice da movimentação popular desta segunda-feira, um dos símbolos máximos do poder público se viu tomado quando os manifestantes ocuparam o congresso nacional. Com pouca por parte da polícia do Distrito Federal, ao que tudo indica: excluindo dois jovens presos por jogar água em policiais, a PM se restringiu a observar enquanto os revoltosos ocupavam a Mecca do legislativo. No Rio de Janeiro, a Assembléia Legislativa foi invadida: O povo tomou aquilo que é a casa do povo. E como de costume, a reação policial foi feita com bombas e balas de borracha. Em um exemplo homérico de hipérbole, o presidente da Alerj chamou a ocupação de "Terrorismo".

Assim como nas noites anteriores, a situação foi marcada pelo enfrentamento e pela violência, mas nenhum incidente individual superou o ocorrido em Maceió, onde um homem furou o bloqueio dos manifestantes e baleou um rapaz de 16 anos no rosto. essa pode ser a primeira vítima fatal na Marcha do Vinagre, se confirmado o óbito. Vitima não da repressão policial e de um estado opressor, mas da ignorância de um cidadão indisposto a aceitar a luta alheia por direitos - e que comprou a retórica falsa do "protesto de vagabundos e baderneiros".

O cenário favorece a Revolta do Vinagre: Em Belo Horizonte, as manifestações contaram com o apoio da polícia Civil. Através da Internet, um grupo feminista alertou das medidas beirando o estupro adotadas pela PM contra manifestantes: segundo o texto de orientação, "Os PMs estavam enfiando cacetetes debaixo das saias para desestabilizar emocionalmente as manifestantes". E na primeira manifestação em São Paulo sem a presença de tropa de choque, o andamento foi tranquilo e em tom de celebração.

Largo da Batata -SP
 O que isso representa para o futuro dos protestos, é difícil dizer. Se a PM irá ampliar a brutalidade, apenas o futuro pode revelar. Embora os movimentos já tenham recebido mensagens de apoio de alguns policiais, a grande maioria ou tem medo de represálias ao juntar-se as manifestações, ou não tem interesse. E enquanto em São Paulo o evento foi pacífico, no resto do país o cenário é tão feio quanto na última quinta-feira.

Como de costume nessas situações, a mídia tem feito um imenso desserviço. Mesmo após o fiasco da cobertura dos protestos de São Paulo na semana passada, cuja racionalização da brutalidade policial culminou na violência contra os próprios jornalistas, a velha imprensa repete o erro de pintar os manifestantes como vândalos e criminosos. Em um caso absurdo, a Globo News chegou a alegar que "a violência da polícia é justificável nos próximos manifestos"
"Quem foi para se manifestar, exercer seu papel cívico, exigir direitos, fez e foi para casa. Quem ficou agora quer a desordem, estão cometendo crimes, assaltando" - Globo News
São Paulo, novamente. 
A rejeição ao discurso global é tamanho, que na concentração de manifestantes no Largo da Batata, em São Paulo, a população expulsou o jornalista Caco Barcellos, que deixou o local sob xingamentos dirigidos à emissora. Situação emblemática - e lamentável, em vista do profissionalismo de Barcellos - da crise de credibilidade da Globo.

Não que não tenha ocorrido incidentes de violência por parte dos manifestantes, mas como bem faz o favor de lembrar o apresentador do Cidade Alerta, os ataques,  como o realizado com coquetéis molotov no Teatro Municipal e na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, podem ser obra de PMs infiltrados no movimento - tática velha da repressão desde anos remotos, uma especialidade da Ditadura, e que é citada até em obras seculares como Os Miseráveis (do francês Victor Hugo).

Belém.
E quanto aos grandes políticos, e o grupo de "interesse" do momento... por um lado, a Presidenta Dilma Roussef afirmou em nota que "as manifestações são legítimas" - porém simultaneamente o Distrito Federal moveu mais 3.500 soldados, incluindo 100 membros da polícia do exército, para "proteger o patrimônio público" após a ocupação do Congresso Nacional. Outros políticos foram ouvidos pela imprensa - suas falas seguem aqui.

Já para o secretário geral da Fifa, Jeróme Valcke, o problema é nosso "excesso de democracia". Alguém explique o que é isso? O que viria a ser "excesso de democracia"?

Porém o horror não acaba aí: segundo a confiabilíssima investigação da Polícia Militar do Distrito Federal e da rede Globo, os "líderes" (em um movimento descentralizado...) dos protestos de Brasília seriam todos funcionários do gabinete da Presidência. Além de escancarar a total falta de compreensão que antiga vigia da ditadura tem sobre a situação, essa informação revela a tara golpista dos militares.

É o novo "Jango está indo para a China, só pode ser comunista". Munidos de tal incrível evidência da culpabilidade de Dilma Rousseff nos protestos (contra ela, mas quem liga), faltará pouco para que aleguem que é tudo "uma tentativa de implantar uma ditadura comunista no Brasil" e cocem aquela sarna maldita da nossa direita reacionária e ignorante para voltar aos "bons tempos" da "ditabranda", como horrendamente chamou uma vez a Folha de São Paulo. Mantenhamos-nos firmes, tempos sombrios virão, mas o sol há de raiar novamente.