terça-feira, 14 de janeiro de 2014

É só pra impedir o rolezinho... ou é o que dizem

"Não existe racismo no Brasil". Quem nunca ouviu essa frase? Quantas vezes esse meme não foi usado para silenciar as vítimas do muito real racismo brasileiro? Ou quando reconhece a discriminação, fingir que não há conotação racial, mas que é "devido a pobreza" (ignorando não apenas que o negro rico também é discriminado, mas também a relação do racismo com a pobreza)?

Agora o tradicional combo de racismo e elitismo brasileiro ergue a cara feia com a tentativa de fechar o acesso de jovens negros e pobres a shoppings. E para isso fez uso intenso de todo o aparato de repressão a que tinha acesso, não medindo esforços para... impedir jovens de "invadir" um espaço aberto como o dos shopping centers. Começou no shopping Vitória, com a agressividade da polícia contra os fugitivos de um baile funk ali perto - apesar da afirmação continua da polícia e do shopping de que não houve crimes, os rapazes ali humilhados ainda eram tratados como "bandidos". 

Porque a juventude da periferia esta sendo criminalizada "por precaução", alguém poderia me responder? E como podem dizer que não há preconceito e racismo no Brasil, ao mesmo tempo que defendem essa segregação disfarçada manifesta no veto (altamente vago) aos "rolezinhos"? Enquanto a elite branca se esforça para, com a maior cara de pau possível, dizer que é "normal"... A anistia internacional aponta "racismo envergonhado". Preciso dizer mais?


Começou de maneira simples: com a forte repressão aos "rolezinhos" realizados por jovens negros e pardos adentrando shoppings para, de alguma maneira, aproveitarem o culto ao consumismo. Como de costume, a classe média e o poder público reagiram de maneira truculenta: usando da violência contra o "bandido" que havia se atrevido a invadir o "seu" espaço. E depois de um, dois, três confrontos com essa massa excluída... surgiu aquela gula por repressão que o brasileiro tanto conhece.

Basicamente, isso. 
Mas a fome brasileira pela repressão e a vigilância deve estar bem saciada por essa semana... Em um flagrante de autoritarismo e de discriminação no país "que não tem racismo", o Shopping JK Iguatemi agora proibiu "rolezinhos", passa a conferir a identidade dos clientes, para manter "eles" (os "baderneiros", "trombadinhas", "membros de rolezinhos") longe dos cidadãos-de-bem que frequentam o shopping - mesmo que para isso tenha que manter funcionários de fora (afinal, ele é "escurinho, não pode").


Pela primeira vez em minha vida, tenho que parabenizar a porta voz do conservadorismo brasileiro, Rachel Sheherazade: Ao contrário da maioria dos amedrontados elitistas em prol da expulsão da "massa" dos seus espaços, ela não tem vergonha de seu racismo. Só não o reconhece como tal. Na sua visão limitada, a única coisa que "aquelas" pessoas podem querer é arrastões - são claramente bandidos, e qualquer tentativa de demonstrar o contrário só poderia ser uma armadilha para forçar os "cidadãos de bem" a baixar a guarda e assim invadir o santuário da elite branca contra o caos. Resumindo, para a jornalista - e uso o termo com muita generosidade - estamos diante das invasões bárbaras.

A Liminar que o JK Iguatemi conseguiu nada mais é do que uma autorização legal para discriminar; quando a empresa alega que esteja vetando grupos "suspeitos", sabemos bem quais as características que definem "suspeito". São as mesmas que definiam suspeitos para a PM de SP. É a mesma que nos EUA levou um jovem a ser preso por tentar comprar um cinto com o seu dinheiro. A mesma mentalidade internalizada que leva, vez após vez, policiais e jornalistas a procurarem os antecedentes criminais de jovens negros quando estes são mortos por homens brancos - e que leva jovens negras a serem baleadas ao tentar pedir ajuda.

Fonte: Alpino.
E pelo que vi até agora, tem gente parabenizando tal comportamento, enquanto o prefeito Fernando Haddad parece uma (dissimulada) voz de razão no debate ridículo.  Os argumentos movidos a medo abundam: "Ora, não é obvio que o shopping tem todo o direito de expulsar arbitrariamente pessoas "suspeitas"?" Não somos culpados até que se prove o contrário? "Olha, eu sei que o rapaz estava apenas comprando um anel para a noiva... mas ele é suspeito! Era parte de um rolezinho, que é só gíria de marginal para assalto e arrastão, não é não?" "Eles estão ameaçando a população de bem, imagina ter esse monte de marginal no shopping!", e por aí vai. 

Mas nenhum dos defensores das medidas autoritárias dos shoppings ou dos promotores da violência contra os membros de rolezinhos conseguiu responder uma pergunta muito simples: qual o crime? O que justificaria a prisão de 23 jovens que não haviam cometido crime algum, no dia 14 de dezembro? Que infração penal estaria sendo cometida ao unir jovens da periferia para dar uma volta pelo shopping, e que não se faz presente quando jovens brancos da elite se reúnem para um "flash mob"? Na pratica, afinal, são a mesma coisa; só muda quem faz.



Esperneiem o quanto quiserem: a juventude excluída vai continuar buscando adentrar o espaço "da elite", e como diria Leia em Star Wars, quanto mais firme se apertar, mais eles escaparão por entre os dedos da elite. O medo patológico que tem sido demonstrado tem se convertido em truculência - e que tem sido respondida com protestos, manifestações e um fortalecimento dos "rolezinhos"; ao invés de silenciar esses jovens, a repressão tem servido para motiva-los. De repente, o ato se tornou uma questão política, assim por dizer.

E como sinal disso... O JK Iguatemi deve passar por uma bateria de rolezinhos para protestar contra o racismo do shopping. A tentativa de cercear a expressão popular só a fortaleceu. Como demonstrado vez após vez na história, em algum ponto a opressão deixa de rebaixar o povo para servir de combustível para o levante popular... e é de se impressionar que até hoje a elite não tenha entendido isso.



Mas até que algo mude, muita gente inocente vai pagar por ser "da cor errada"...



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