sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Rolezinho e O ódio em palavras

Essa semana muito se comentou sobre os "rolezinhos" nos shoppings - eu mesmo escrevi dois textos a respeito das reações - e disso uma face podre da sociedade brasileira foi revelada... Aquela que diz "não sou racista, mas...". A mesma que tanto adora  a expressão "cidadão de bem" e "homem de bem". A acusação de racismo e elitismo quanto ao assunto rolezinho tem sido veementemente negada pelos mesmos que "não são racistas" - e para demonstrar o grau de ódio, eu tomei a liberdade de pegar um sampling de comentários de duas postagens: a matéria sobre rolezinhos no shopping Muller, na página de um jornal joinvillense, e a matéria "Rolezinho nas palavras de quem vai", do portal G1. O resultado é chocante.

Começando "leve": para a pessoa ao lado, os jovens que foram ao shopping Muller nesta semana não estavam interessados em socializar: Era tudo parte de um plano para facilitar "os roubos" (embora o shopping não tenha relatado qualquer ocorrência durante o rolezinho). Não: esses pobres indo para o shopping é para cometer crimes, nada mais.

Seguindo a retórica da nova direita conservadora, é culpa do "ensino marxista". A revolta com a "juventude decadente" não é novidade, e nem imagina o autor do comentário que para a geração dos seus bisavós, os seus avós é que só queriam drogas (que já foram legalizadas, no tempo dos seus e meus tataravós), putaria e rolezinho. O ataque ao funk é só mais um sintoma do ódio contra o que é "cultura de preto". O comentário sobre "vai trabalhar" foi um que se repetiu, e muito. Engraçado é que para o jovem de classe média que vai no shopping com os amigos, ninguém diz isso.

Mais uma de discurso pronto da direita conservadora: "aahh, se apenas legalizassem o trabalho infantil e prendessem menores infratores como adultos...". Eu já discorri sobre o porque de ser contra a redução da maioridade penal; Já o fim do trabalho infantil foi uma questão humanitária, e é um ponto que inexiste em países desenvolvidos; Me surpreende o apego brasileiro a uma prática que só sobrevive em países subdesenvolvidos.

Aqui vemos a primeira demonstração explicita do culto a violência como solução que a direita brasileira tanto adora. Em um único comentário, o autor: reprime quem deseja conhecer pessoas novas "por não ter idade para isso" (não estava ciente de que tem se idade para poder ter amigos); diz que isso é culpa de pai sem pulso pra "por os filhos no lugar; condena mães solteiras como putas e os pais como otários manipulados (o clássico discurso machista de "mulheres querem nos extorquir"); e para fechar defende a violência física como solução para o problema de... querer ir ao shopping com os amigos.

Comentário duplo. Primeiro a ignorância de dizer que a ausência de proibição formal significa que não há preconceito, depois  "é preciso que pareçam corretos" (leia, se encaixem no meu padrão de "pessoa de bem"). Mas a chave de ouro é o segundo comentário - a demonstração de elitismo musical sobre o gosto alheio; tenho que citar aqui que, apesar das letras muitas vezes simplórias, o Funk é sim uma expressão cultural legítima, e ao redor da qual gira uma multitude de elementos de crítica social, de expressão do excluído e de relações simbólicas com o poder - de maneira similar ao Rythm&Blues e o Hip Hop, ambos antes criticados por "imoralidade e decadência" (Assim como o tão amado Rock'n'Roll, cuja cultura gira em torno de drogas, e a misoginia abunda nas letras). O estilo já serviu de base para mestrados, ressalto.

O comentário embaixo foi feito pela mesma pessoa do comentário "de invadir um baile funk". Há um grau impressionante de simplismo no pensamento deste cidadão: sua maneira de justificar o seu preconceito é usar como base a violência na periferia - aquela cujos cidadãos são hostilizados devido a mentalidades como a sua, situação que abre as portas para o estado paralelo da criminalidade. Mas ainda mais insensível é comparar ser chamado de "Playboy" com o tratamento "preventivo" como bandido - afinal, resta ao cidadão provar que não é bandido, não?

Eu vou ser breve nessa: alguém pode me explicar qual o crime cometido em ir ao shopping? Ressalto que segundo o Muller, não houve nenhum incidente no rolezinho ocorrido, mas para o cidadão "bem informado", o mero ato é o bastante para ocorrer pena de prisão.

Esses se referem à matéria do G1. Primeiro temos o combo do "só me faltava essa gente no meu shopping" e "vai trabalhar vagabundo" (No fim de semana - dirigindo-se a jovens que trabalham), argumentos "clássicos" de quem não tem preconceito contra jovens pobres, não é? Mas o ponto mais notável é o comentário seguinte: "procurem a bananeira mais próxima". O velho padrão racista de comparar negros com macacos ainda está em voga. E não duvido que o autor negue a conotação racial do comentário.

Aqui temos mais dois chamados pela violência: um dizendo que mataria quem chegasse perto se "ameaçassem a integridade da sua família" (o que como pode ser visto já fora do Brasil é algo muito subjetivo, quanto mais onde se acha que pobre junto é arrastão) e o outro pedindo que se prendesse de imediato quem... vai em grupo no shopping... e depois se "eliminasse" quem não aprendesse a se comportar "como gente" (leia: do jeito que eu quero). Eu vou deixar isso bem explícito: o que esse cidadão sugeriu é campo de concentração para "maloqueiro".

A última é quase engraçadinha. Quase: temos aqui um cidadão insinuando que eles merecem serem brutalizados pela polícia pelo corte de cabelo - e que esse corte de cabelo, típico da juventude da perifieria, é coisa de bandido. É como o "cabelo ruim" da negra: racismo disfarçado de "opinião inocente sem nada contra".

Aí está um pequeno sampling do ódio levantado pelos rolezinhos. O Chuva Ácida também comentou a questão aqui.  O que posso comentar a mais é o seguinte: primeiro, me surpreende a inversão de culpa que está ocorrendo no país; a ideia fixa de que tem que se provar que não é bandido (e como um comentário acima prova, a ausência de crimes é prova de crimes para esses "informados"). Movidos a medo e ignorância, vem como certa a criminalidade dos jovens rolezeiros - e daí justificada a violência contra eles - e sem dizer por que crime.

A segunda é bem breve: Quando um dos "intelectuais" da direita brasileira solta uma coisa dessas, não é de se surpreender a ignorância dos leigos.


E isso que nem comentei a resposta padrão a críticas por parte dos autores desse tipo de comentário:

Se tem pena, leva pra casa.

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