terça-feira, 19 de novembro de 2013

Países Ricos se inspiram no Bolsa Família, diz New York Times.

Criticado no Brasil, Bolsa Família serve de exemplo no
exterior, diz New York Times.

Do editor de Paradoxos de Nosso Tempo: Enquanto a direita brasileira, alguns centristas e uma parcela pequena da esquerda insistem em desmerecer programas como bolsa família ao chamá-los de "bolsa esmola", "bolsa vagabundo", alegarem que estimula o desemprego, etc, no exterior o programa tem sido cada vez mais debatido - e de forma positiva. Como demonstra a reportagem do New York Times e o comentário de Luciano Martins Costa, o Bolsa Família está longe de ser um fracasso. E caso um programa básico de welfare, como o bolsa família - cujos rendimentos são pífios, não podendo ultrapassar R$ 306, para uma família com 5 crianças ou gestantes, e mais 2 ou mais adolescentes de 16 ou 17 anos, - fosse gerar uma onda de desemprego voluntário e famílias tendo filhos para receber mais benefício (o pesadelo conservador frente ao programa) que horror causaria a renda básica de R$ 6.348 proposta pelo governo suíço? Estaria a suíça a criar uma massa de vagabundos? Creio eu que não.
Abaixo segue o texto de Luciano Martins Costa, como publicado no Observatório da Imprensa e no Pragmatismo Político. 

Pedro Leal. 

A notícia, publicada na edição de sexta-feira (15/11) do Estado de S. Paulo, é a versão traduzida de um texto da jornalista especializada em política econômica Annie Lowrey, que escreve no New York Times.

Na linha fina que sustenta o título, o jornal afirma: “Programas assistenciais tipo Bolsa Família são cada vez mais debatidos em todo o mundo”. A seguir, relatos de experiências desse tipo feitas em países ricos e opiniões de economistas sobre os resultados dessas ações sociais.

Agora, sugerimos que o prezado leitor e a leitora atenta tentem se recordar de como a imprensa brasileira tratou, desde o início, os programas sociais de distribuição de renda adotados pelo governo do ex-presidente Lula da Silva. Expressões como “bolsa-esmola” e “incentivo para a vagabundagem” ainda podem ser apreciadas em artigos e reportagens publicados a partir de 2003, quando a prática de combater a miséria com a concessão de renda virou política pública.

Depois de passar anos condenando o programa, a imprensa se convenceu de seus resultados e passou a cobrar uma “porta de saída” para os beneficiários e “adequações” do sistema. Ainda no ano passado, o Globo publicava ampla reportagem na qual fazia uma avaliação dos benefícios da injeção de dinheiro nas famílias pobres, reconhecendo como efeitos colaterais alguns dos resultados previstos ainda no lançamento do projeto: drástica redução do trabalho infantil, aumento da escolaridade nas regiões beneficiadas, diminuição da violência familiar e novo protagonismo da mulher.

Ao cobrar “aperfeiçoamentos”, o jornal citava o caso de uma faxineira, do Piauí, que rejeitou um emprego de babá porque preferia continuar com seus próprio filhos, sustentada pelo dinheiro do governo. O Globo apresentava essa história como crítica ao programa, como exemplo de que em alguns casos os beneficiários prefeririam não trabalhar fora, com medo de perder a renda mínima.

E é justamente nesse ponto que se revela a miopia social da imprensa brasileira: ao escolher ficar com seus próprios filhos, a mulher citada na reportagem estava justamente realizando o propósito do projeto social, ou seja, procurava assegurar com sua presença que os filhos fossem à escola. Se fosse cuidar dos filhos da patroa, certamente ganharia mais dinheiro, mas quem cuidaria de suas próprias crianças?

Pobres países ricos

A reportagem do New York Times, reproduzida pelo Estado de S. Paulo, observa que a crise nos países ricos está estimulando debates sobre a ideia de prover uma renda básica para famílias em dificuldades, principalmente para os jovens que não encontram emprego (ver aqui o texto original em inglês).

O caso da Suíça é emblemático: lá, uma campanha defende a concessão de um cheque mensal de 2.500 francos suíços – o equivalente a R$ 6.348 – a cada cidadão, rico ou pobre, idoso ou jovem, esteja ou não empregado. Como resultado imediato, a pobreza desapareceria completamente. A proposta é de um artista nascido na Alemanha, mas, segundo o texto, está mobilizando a sociedade e provoca grande debate entre economistas.

Mesmo nos Estados Unidos, pátria do liberalismo econômico, a discussão mobiliza as forças políticas de todos os matizes, mas praticamente já não se questiona a conveniência de programas de assistência: a controvérsia gira em torno do modelo mais adequado, se a renda básica será proporcionada por um programa de seguridade social expandido ou pela simples entrega de dinheiro, sem nenhuma obrigação em troca. Daí a uma ação internacional para o resgate da África, por exemplo, o caminho fica mais curto.

Uma pesquisa feita no Canadá e citada pelo jornal observa que a experiência de doação pura e simples de um salário mínimo a todos os cidadãos de uma pequena cidade durante um curto período conseguiu eliminar a pobreza, os índices de conclusão do ensino médio subiram e o número de pessoas hospitalizadas, caiu. O estudo projeta resultados mais amplos, demonstrando que uma política de renda básica não produz uma sociedade ociosa, como diziam os jornais brasileiros.

Programas de incentivo à base de transferência de renda vinham sendo experimentados no Brasil desde 1994, em Campinas, e acoplados a planos de educação, como aconteceu em 1995 em Brasília, durante o governo do hoje senador Cristovam Buarque. Mas foi o ex-presidente Lula da Silva que transformou essa ideia em política nacional, sob o nome de Bolsa-Família.

A reação da imprensa foi o que se viu.

Passados dez anos, o Brasil produziu o fenômeno da mobilidade social, milhões de cidadãos foram resgatados da miséria, muitos celebram o ingresso de seus filhos na universidade, os pobres aprenderam o que é autoestima, e países ricos pensam em aplicar a mesma receita para reduzir os danos do capitalismo especulativo.

Agora os jornais brasileiros não falam mais em “bolsa-esmola”. É que deu no New York Times.
Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa

10 Filmes para se pensar a consciência negra.

Besouro. Captura de Imagem do Filme. 

Filmes não são só entretenimento; como qualquer forma de discurso, narrativa ou história, transmitem ideologia e trazem uma reflexão acerca da realidade que vai muitas vezes além do que pode se ter no conforto do lar. Da mesma maneira que são úteis para escapismo ingênuo, para reproduzir o discurso dominante e para manter o status quo, o cinema pode servir para se repensar a realidade. E o Mundo Negro, junto ao Pragmatismo Político, compilou essa ótima lista de filmes para se refletir a cerca de uma situação muito problemática: a do negro no Brasil e no Mundo. 

Fonte: Pragmatismo político, a partir de Mundo Negro, com informações da Biblioteca da Universidade Federal de São Paulo

Além dos livros, filmes são uma ótima maneira de saber mais sobre História. Nesta semana da consciência negra, confira 10 filmes que te farão refletir sobre a situação dos negros no Brasil e no mundo.

1.Faça a Coisa Certa (Spike Lee – 1989)
Sal (Danny Aiello), um ítalo-americano, é dono de uma pizzaria em Bedford-Stuyvesant, Brooklyn. Com predominância de negros e latinos, é uma das áreas mais pobres de Nova York. Ele é um cara boa praça, que comanda a pizzaria juntamente com Vito (Richard Edson) e Pino (John Turturro), seus filhos, além de ser ajudado por Mookie (Spike Lee). Sal decora seu estabelecimento com fotografias de ídolos ítalo-americanos dos esportes e do cinema, o que desagrada sua freguesia. No dia mais quente do ano, Buggin’ Out (Giancarlo Esposito), o ativista local, vai até lá para comer uma fatia de pizza e reclama por não existirem negros na “Parede da Fama”. Este incidente trivial é o ponto de partida para um efeito dominó, que não terminará bem.

2. Conduzindo Miss Daisy (Bruce Beresford – 1989)

Atlanta, 1948; Uma rica judia de 72 anos (Jessica Tandy) joga acidentalmente seu Packard novo em folha no jardim premiado do seu vizinho. O filho (Dan Aykroyd) dela tenta convencê-la de que seria o ideal ela ter um motorista, mas ela resiste a esta idéia. Mesmo assim o filho contrata um afro-americano (Morgan Freeman) como motorista. Inicialmente ela recusa ser conduzida por este novo empregado, mas gradativamente ele quebra as barreiras sociais, culturais e raciais que existem entre eles, crescendo entre os dois uma amizade que atravessaria duas décadas.

3. A Outra História Americana (Tony Kaye – 1998)

Um dos melhores filmes sobre o tema racial da década de 1990, não poupa o espectador da violência e do ódio ao mostrar os crimes de uma gangue racista de skin heads, formada por integrantes neonazistas, nos Estados Unidos. O filme tem o poder de mostrar como o ódio racial acaba com a vida tanto de agressores quanto de agredidos, e é contundente, principalmente pela mensagem e pela ótima interpretação de Edward Norton.

4. Amistad (Steven Spielberg – 1998)



Baseado em um evento real, este filme relata a incrível história de um grupo de escravos africanos que se rebela e se apodera do controle do navio que os transporta e tenta retornar à sua terra de origem. Quando o navio, La Amistad, é aprisionado, esses escravos são levados para os Estados Unidos, onde são acusados de assassinato e são jogados em uma prisão à espera do seu destino.Uma empolgante batalha se inicia, o que capta o interesse de toda a nação e confronta os alicerces do sistema judiciário norte-americano. Entretanto, para os homens e mulheres sendo julgados, trata-se simplesmente de uma luta pelos diretos básicos de toda a humanidade: a liberdade.

5. A Negação do Brasil (Joel Zito Araújo – 2001)

O documentário é uma viagem na história da telenovela no Brasil e particularmente uma análise do papel nelas atribuído aos atores negros, que sempre representam personagens mais estereotipados e negativos. Baseado em suas memórias e em fortes evidências de pesquisas, o diretor aponta as influências das telenovelas nos processos de identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela incorporação positiva do negro nas imagens televisivas do país.

6. Quanto Vale Ou É Por Quilo? (Sergio Bianchi – 2005)
Adaptação livre do diretor Sérgio Bianchi para o conto “Pai contra Mãe”, de Machado de Assis, Quanto Vale ou É Por Quilo? desenha um painel de duas épocas aparentemente distintas, mas, no fundo, semelhantes na manutenção de uma perversa dinâmica sócio-econômica, embalada pela corrupção impune, pela violência e pelas enormes diferenças sociais. No século XVIII, época da escravidão explícita, os capitães do mato caçavam negros para vendê-los aos senhores de terra com um único objetivo: o lucro. Nos dias atuais, o chamado Terceiro Setor explora a miséria, preenchendo a ausência do Estado em atividades assistenciais, que na verdade também são fontes de muito lucro. Com humor afinado e um elenco poucas vezes reunido pelo cinema nacional, Quanto Vale ou É Por Quilo? mostra que o tempo passa e nada muda. O Brasil é um país em permanente crise de valores.

7. Agosto Negro (Samm Styles – 2007)

A curta vida do ativista condenado George Lester Jackson (Gary Dourdan, da série CSI) se torna o estopim para uma revolução, dando início a mais sangrenta rebelião ocorrida em toda a história do presídio de San Quentin. Agosto Negro narra a jornada espiritual e a violenta fé de Jackson, desde sua condenação por roubar 71 dólares de um posto de gasolina até galvanizar a Família Black Guerrilla com seu incendiário livro, criado a partir de cartas, Soledad Brother, ou espalhar ferocidade nos corredores de San Quentin em um dia de agosto, quando seu irmão mais novo, Jonathan, chocou o país ao fazer refém toda uma corte de justiça na Califórnia, em protesto pelo julgamento de Jackson. Para o militante George Jackson, a revolução não era uma escolha, mas uma necessidade.

8. Besouro (João Daniel Tikhomiroff – 2010)

Bahia, década de 20. No interior os negros continuavam sendo tratados como escravos, apesar da abolição da escravatura ter ocorrido décadas antes. Entre eles está Manoel (Aílton Carmo), que quando criança foi apresentado à capoeira pelo Mestre Alípio (Macalé). O tutor tentou ensiná-lo não apenas os golpes da capoeira, mas também as virtudes da concentração e da justiça. A escolha pelo nome Besouro foi devido à identificação que Manuel teve com o inseto, que segundo suas características não deveria voar. Ao crescer Besouro recebe a função de defender seu povo, combatendo a opressão e o preconceito existentes.

9. Bróder (Jeferson De – 2011)
Capão Redondo, bairro de São Paulo. Macu (Caio Blat), Jaiminho (Jonathan Haagensen) e Pibe (Sílvio Guindane) são amigos desde a infância e seguiram caminhos distintos ao crescer. Jaiminho tornou-se jogador de futebol, alcançando a fama. Pibe vive com Cláudia e tem um filho com ela, precisando trabalhar muito para pagar as contas de casa. Já Macu entrou para o mundo do crime e está envolvido com os preparativos de um sequestro. Uma festa surpresa organizada por dona Sonia (Cássia Kiss), mãe de Macu, faz com que os três amigos se reencontrem. Em meio à alegria pelo reencontro, a sombra do mundo do crime ameaça a amizade do trio.

10. Histórias Cruzadas (Tate Taylor – 2012)

Jackson, pequena cidade no estado do Mississipi, anos 60. Skeeter (Emma Stone) é uma garota da sociedade que retorna determinada a se tornar escritora. Ela começa a entrevistar as mulheres negras da cidade, que deixaram suas vidas para trabalhar na criação dos filhos da elite branca, da qual a própria Skeeter faz parte. Aibileen Clark (Viola Davis), a emprega da melhor amiga de Skeeter, é a primeira a conceder uma entrevista, o que desagrada a sociedade como um todo.Apesar das críticas, Skeeter e Aibileen continuam trabalhando juntas e, aos poucos, conseguem novas adesões.

"Senhorita Macho" e a representação feminina.


Não, hoje eu não vou postar um artigo gigante. Ao invés disso, vou deixar outra pessoa falar por mim: Esse é um dos vídeos produzidos pela vlogueira e professora feminista Anita Sarkeesian, a respeito de representação feminina em videogames. Não vou discorrer sobre a professora Sakeesian, alvo de uma série de ataques quando anunciou sua intenção de falar a respeito de games (situação que me rendeu um texto em outro blog) - e nos meses seguintes. 

O que vou complementar aqui é sobre a questão do que ela nomeia de "Ms. Male": como eu já havia discorrido no meu outro blog, em um post sobre a Iniciativa Hawkeye, é lamentavelmente comum que personagens femininas em quadrinhos sejam nada mais que "clone" de personagens masculinos; no cinema, protagonistas femininas que não sejam o herói de ação com peitos - e que estes não sejam a definição pura da "mascara neutra", aqui representada por '_' - são raras: protagonistas femininas são mais comuns em "chick flicks", embora heroínas de ação estejam se tornando mais comuns, estão também se tornando mais masculinas - e com frequência em filmes de ação, thrillers e dramas policiais, a tudo caí nas mãos de "um homem". Raros são os filmes que passam o teste bechdel - e isso trás seus muitos problemas. 

Outra coisa que quero complementar no que Sarkeesian está dizendo, é que não apenas se trata apenas do Ms Male: também temos o mesmo problema com etnicidade, países e orientação sexual; além de "personality female disorder", temos "personality black disorder", "personality asian disorder", "personality gay disorder", etc: para o padrão da mídia mainstream, o padrão é hetero-branco-homem-americano; todo o resto, é "especial", e já conta como personagem por existir, dispensando profundidade, personalidade e caracterização. E isso se reflete no público: quando anunciado que a próxima Miss Marvel seria a filha de imigrantes paquistaneses Kamala Khan, a reação incluiu ultrajes pelo "Politicamente correto", e piadas estereotipadas  dizendo que  ela "vestiria uma burqa" e teria o poder "de se explodir" - pois afinal, muçulmano é personalidade, não?

Vejam o vídeo, e depois comentem qualquer coisa.  

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Dirceu foi condenado. E o que vem agora?

Deixando de lado o debate quanto as dimensões do mensalão e a especulação quanto a participação no esquema de compra de votos, o fato é que José Dirceu e outros nove mensaleiros foram condenados. Após oito anos, saiu a tão exigida sentença... e agora? Um caso de corrupção - longe de ser, como afirma o meme, "o maior escândalo de corrupção da história do país" - foi levado a justiça. Mas não vejo o que comemorar. Não enquanto há tantos outros imbróglios ignorados. Quando o grosso da corrupção é deixado de lado.

Há aqueles que clamam que nossos bravos heróis togados, liderados por Joaquim Barbosa, estão pondo a casa em ordem e destruindo a corrupção no Brasil. Mas isso me parece ingênuo. No mínimo. A pena de 10 anos e 10 meses do líder petista é apenas uma detalhe ínfimo em um oceano de processos ignorados, que deveriam ser levados adiante. Mas não serão, tenho certeza. Nada vai mudar, e o que poderia servir de catapulta para mudanças de fato, será apenas motivo de comemoração de quem não entende nada além do que a mídia lhe passa.

Não veremos qualquer novidade quanto às suspeitas privatizações do governo FHC. E qualquer tentativa de discutir esse golpe bilionário em prol do capital estrangeiro ainda será respondida com "e o mensalão" e insultos "inteligentes" como "petralha" e "comuna".

Serão mantidas as queixas de que a comissão dedicada a investigar os crimes cometidos pelo governo militar não investiga os crimes da guerrilha - sem se tocar que A: tais crimes já foram investigados e B: o propósito da comissão é investigar os crimes do governo militar. E a "ditabranda" continuará a ser vista pelos reacionários como aquele tempo idílico que não havia crime, corrupção ou "imoralidade" - e a imprensa ser censurada nada tinha a ver com essas coisas não aparecerem.

Não vai haver qualquer grande e  midiático julgamento sobre as falcatruas nas concessões de transporte coletivo, ou dos roubos descomunais do metro de São Paulo. Alckmin pode ter virado piada pelo seu processo contra o Cartel de uma empresa só, mas não enfrentará uma década de escrutínio interminável por isso, não será tratado como o maior ladrão da história do país (embora o esquema da Siemens seja sete vezes maior que o mensalão, e ao contrário deste envolva dinheiro público), e logo logo será apenas uma nota de rodapé, enquanto continua-se a luta pelo impeachment de quem abandonou a presidência há três anos.

Tão pouco serão levadas a sério as denúncias contra aquele deputado PPista que chamou uma ministra de puta, mandou negros voltarem pro zoológico, e socou um senador. Ou aquele outro que diz que negros são amaldiçoados. Ou seu colega de bancada, que em defesa a um colega sendo julgado por estupro disse que "ninguém ali tinha o direito de julgar, por que todo mundo faz" (parafraseado).

Ao mesmo tempo, estes citados, todos "defensores da moral e bons costumes", vistos por alguns como ícones de ética e retidão, continuarão divulgando vídeos mal editados e imagens caluniosas contra seus opositores. A falsa e absurda história do bolsa puta, e do "o pedófilo é essencial no desenvolvimento da criança" continuarão a ser divulgados nas redes sociais. E cada vez que alguém criticar a calúnia, repetirá-se o bordão de "é livre a expressão", como se isso justificasse difamação e fraude.

Ou sequer um grande exposeé sobre o continuado genocídio da juventude negra nas grandes metrópoles, cometido com aparente prazer por nossa polícia. A cada nova morte, vai continuar se repetindo o mantra de "bandido bom é bandido morto" - contanto que esse seja pobre e preferencialmente negro - independente do que o falecido fazia o fez. Se levou bala, é bandido, não? E acompanha ainda o bordão... "não sou racista, mas...".

Não teremos mais do que uma página noticiando a triste realidade da disparidade de 36% nos salários de negros nesse país - independente do grau de ensino, antes que se alega que é ligado a educação - ou qualquer comentário a respeito do preconceito gritante no perfil desejado para trabalhadores, ao menos não fora da mídia alternativa.

Nada se levará a julgamento ou se comenta sobre esquemas descarados de sonegação de impostos, superfaturamento e lavagem de dinheiro. Bancos e empreiteiras continuarão imunes as repercussões de seus próprios atos criminosos - afinal, corrupção é só culpa de político.Tolamente se continuará comprando produtos supervalorizados, e continuarão se ouvindo desculpas de que "é o imposto", que de alguma maneira milagrosa faz os produtos quintuplicarem de valor (ou mais) - e não a ganância desmedida do empresariado ou a tolice do consumidor que aceita tais preços.

Continuaremos com uma taxa de estupro superior a de homicídios - em si já absurda - e com figuras públicas alegando que não há definição legal de estupro; que o atendimento médico-legal a vítimas de estupro é uma tentativa rasteira de legalizar o aborto (que já é legalizado para esses casos); que cultura de estupro não existe, e é só vitimismo; ainda teremos aqueles que veem uma menina de 11 anos ser bolinada pelo professor, e condenam a menina, não o professor, e que frente a um relato de primeira mão, documentado e registrado de um estupro explícito, acham que é armação.

E no nível mais básico de todos, passado tudo isso ainda não se aprendeu o que cada esfera do governo faz, cada poder faz ou quem fez o que; Culpa-se Dilma por algo que aconteceu quando ela não estava no governo; pelos excessos do governo carioca; por leis absurdas e o preço da passagem; pela fragilidade das escolas estaduais; pelas falcatruas das secretarias municipais da saúde; passados meses que o homem já voltou ao Senado e assumiu a presidência do mesmo, ainda chamam Renan Calheiros de mensaleiro; A urna eletrônica que FHC implementou agora virou complô do PT para roubar eleições; analfabetismo e ignorância política, uma marca de orgulho.

Mas ei... isso tudo é só coisa de petralha querendo desviar a atenção, não é mesmo? Os mensaleiros foram condenados, não tem mais corrupção, assim como não havia antes do PT. Qualquer um que diga o contrário é pago pelo PT, não é? Festejemos...

sábado, 2 de novembro de 2013

O preconceito, o ônibus, e eu.

Em um ônibus precisamente como este,
eu senti na pele o que é ser discriminado.
E não, não é algo que "se leva numa boa
e se deixa para lá". 
Essa semana senti na pele o preconceito: por virtude de meu status como estrangeiro, eu (juntamente com três cidadãos obviamente estrangeiros - duas árabes e um terceiro que presumo ser do leste europeu) fui grosseiramente enxotado para fora de um ônibus na linha 2A; aos gritos e empurrões, três dinamarqueses de seus 20 e poucos anos nos impediram de embarcar no coletivo. Pensei que fosse talvez pelo excesso de gente, mas não impediam os loiros dinamarqueses de entrar. E quando eu proferi a ingenua frase - "I don't understand" - veio a resposta derradeira e chocante:

Get out! Get out! This bus is danes only! Get out!, seguida de berros e o que eu presumo serem insultos em dinamarquês. Um cruel choque de realidade, um soco na boca do estômago; Não importa o quão "bela" e ordeira seja a Dinamarca,a xenofobia é uma realidade mundial - seja em "utopias" como os países nórdicos, nos BRICs ou em rincões do terceiro mundo, parece que o "outro" - não o individuo, mas "aquele que está fora do grupo - é digno de desconfiança, maus-tratos e violência.

Mês passado, um colega meu foi vítima do mesmo tipo de discriminação, mas em uma forma menos escandalosa - entrando em um órgão governamental, foi acossado por um segurança informando o que a porta principal é para "europeus" e que "gente do terceiro mundo" deveria entrar pelos fundos - e que "aqui, ao contrário do seu país, temos regras e horários". Tudo em um tom agressivo e condescendente, segundo meu colega - como se se dirigissem à um animal ou uma criança pequena.


Um dos mais populares argumentos para se negar a existência de racismo e xenofobia é a velha alegação, de que o preconceito "é contra pobre, não é pela cor/por nacionalidade". Mas isso cai por terra com uma análise cursória do preconceito sofrido por quem é "diferente". Preconceito não vê carteira: o fato é que a ganancia pode fazer o preconceituoso deixar de lado suas pré-concepções para lucrar um pouquinho. E isso não impede coisas como Oprah Winfrey ser vitima de racismo, apesar de todo o seu vasto poder financeiro.


Quando eu cursava biologia marinha, um colega meu foi profundamente discriminado em um hipermercado - questionado do porque de parecer tão ressentido após as compras de uma festa, ele deu uma resposta simples: "o tempo todo que estivemos no supermercado, tinha um funcionário me seguindo", como se para "garantir que ele não roubasse nada". Parece nada, mas raramente esses casos menos violentos são exceção. 

Uma das maiores demonstrações
de preconceito sistematizado -
tabela de identificação de negros
"criminosos ou insanos"

E vem acompanhados do estigma pesado dos esteriótipos: negros são preguiçosos, criminosos e "querem nossas mulheres". Homossexuais são pervertidos, drogados e pedófilos. Muçulmanos são terroristas que querem destruir nossa civilização. Judeus são gananciosos, mentirosos e controlam o mundo. Latinos são preguiçosos, burros e só pensam em sexo. Melhor não dar emprego para esse ex presidiário pois senão ele vai me roubar, pois sabe como são (ignorando que sem emprego, óbvio que ele voltará para o crime) - e por aí vai. 


Pode parecer raro que alguém diga abertamente que acha que "mendigo devia virar comida de peixe", mas o clichê de mendigo como bêbado e drogado é um lugar comum - e falso. Poucos são os que expressam desejos violentos contra muçulmanos, mas convencionou-se dizer que são terroristas, assassinos, incapazes de conviver em sociedade. Diz se que o racismo é coisa do passado, mas quando um rapaz negro é baleado sem motivo nos EUA, se verifica o passado do garoto morto - pois é óbvio, é negro, deve ser parte de gangue, certo? -, enquanto seu assassino sai ileso - e em uma demonstração do preconceito naturalizado, a jornalista negra da Fox News ainda completa que "o único motivo pelo qual não se achou uma arma, é porque não procuraram direito".

É fácil para quem não lida constantemente com isso - como é, admito, o meu caso - dizer que preconceito é uma coisa do passado, que minorias deveriam simplesmente "deixar pra lá", e ignorar, porque "sempre vai acontecer". É realmente fácil. Mas quando se vê a realidade das coisas - quando se lida com a policia atirando em alguém que está tentando em entrar no seu próprio carro; quando um rapaz vai preso por fazer compras com seu próprio dinheiro; quando a morte de rapazes pobres da periferia é "regular demais" para as notícias, e quando um menino de dez anos é chamado de terrorista por rezar em árabe, a situação é grave demais para agir como se "fossem casos isolados". 

Não muito diferente da oposição ao casamento LGBT,
direitos da mulher, religiões minoritárias, ateus
ou a entrada de imigrantes islâmicos no país.
Eu não sei se o que aconteceu comigo foi uma exceção, se tamanho grau de preconceito com estrangeiros é uma raridade na sociedade dinamarquesa e eu simplesmente dei azar. O que posso dizer é que ao menos para aqueles grupos tradicionalmente discriminados - imigrantes de países africanos e islâmicos, árabes e negros - é perceptível sob um olhar mais atencioso o quão não bem vindos eles são. Um professor da universidade de Aarhus levantou-me a seguinte questão: não fosse a legislação progressista e igualitária, como seria a Dinamarca? Se não houvessem leis contra o preconceito, como seria o Brasil? E se não existe preconceito... porque lutar contra leis que o punam?

A resposta para nenhuma dessas perguntas é agradável, e revelam a podre verdade quanto a intolerância. Fácil dizer que ela sempre estará lá - e talvez sempre esteja -, mas isso nada mais é do que uma desculpa cínica para negar-se a lutar contra, deixar o preconceito vencer e ficar calado. Ou pior: é uma maneira de não admitir que está defendendo o lado opressor nesse debate - como fazem aqueles que, frente ao seu "comediante" favorito sendo processado após humilhar em rede nacional a maior doadora de leite do país, alegam que a vítima está oprimindo o agressor

Quem sabe o preconceito seja algo que todos devam experimentar uma vez na vida - para mudarem de perspectiva, verem que não é "só opinião" quando se diz que ""tem se razão em não querer contratar negro" - coisa que já ouvi muito - e não é algo "inofensivo" quando se sai dizendo no congresso nacional que "homossexuais querem abusar de nossas crianças" (por sinal uma repetição do líbelo de sangue contra judeus). Como diria Isaac Asimov... "O problema é que esteriótipos raciais, prejudiciais a todos exceto homens brancos de ascendência norte-europeia, eram completamente aceitos, e de fato, pouco notados naqueles dias de apenas quarenta anos atrás [1930] (exceto talvez por membros dos grupos por eles vitimizados)". É fácil negar o preconceito, quando não é você que apanha com ele.