quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Dirceu foi condenado. E o que vem agora?

Deixando de lado o debate quanto as dimensões do mensalão e a especulação quanto a participação no esquema de compra de votos, o fato é que José Dirceu e outros nove mensaleiros foram condenados. Após oito anos, saiu a tão exigida sentença... e agora? Um caso de corrupção - longe de ser, como afirma o meme, "o maior escândalo de corrupção da história do país" - foi levado a justiça. Mas não vejo o que comemorar. Não enquanto há tantos outros imbróglios ignorados. Quando o grosso da corrupção é deixado de lado.

Há aqueles que clamam que nossos bravos heróis togados, liderados por Joaquim Barbosa, estão pondo a casa em ordem e destruindo a corrupção no Brasil. Mas isso me parece ingênuo. No mínimo. A pena de 10 anos e 10 meses do líder petista é apenas uma detalhe ínfimo em um oceano de processos ignorados, que deveriam ser levados adiante. Mas não serão, tenho certeza. Nada vai mudar, e o que poderia servir de catapulta para mudanças de fato, será apenas motivo de comemoração de quem não entende nada além do que a mídia lhe passa.

Não veremos qualquer novidade quanto às suspeitas privatizações do governo FHC. E qualquer tentativa de discutir esse golpe bilionário em prol do capital estrangeiro ainda será respondida com "e o mensalão" e insultos "inteligentes" como "petralha" e "comuna".

Serão mantidas as queixas de que a comissão dedicada a investigar os crimes cometidos pelo governo militar não investiga os crimes da guerrilha - sem se tocar que A: tais crimes já foram investigados e B: o propósito da comissão é investigar os crimes do governo militar. E a "ditabranda" continuará a ser vista pelos reacionários como aquele tempo idílico que não havia crime, corrupção ou "imoralidade" - e a imprensa ser censurada nada tinha a ver com essas coisas não aparecerem.

Não vai haver qualquer grande e  midiático julgamento sobre as falcatruas nas concessões de transporte coletivo, ou dos roubos descomunais do metro de São Paulo. Alckmin pode ter virado piada pelo seu processo contra o Cartel de uma empresa só, mas não enfrentará uma década de escrutínio interminável por isso, não será tratado como o maior ladrão da história do país (embora o esquema da Siemens seja sete vezes maior que o mensalão, e ao contrário deste envolva dinheiro público), e logo logo será apenas uma nota de rodapé, enquanto continua-se a luta pelo impeachment de quem abandonou a presidência há três anos.

Tão pouco serão levadas a sério as denúncias contra aquele deputado PPista que chamou uma ministra de puta, mandou negros voltarem pro zoológico, e socou um senador. Ou aquele outro que diz que negros são amaldiçoados. Ou seu colega de bancada, que em defesa a um colega sendo julgado por estupro disse que "ninguém ali tinha o direito de julgar, por que todo mundo faz" (parafraseado).

Ao mesmo tempo, estes citados, todos "defensores da moral e bons costumes", vistos por alguns como ícones de ética e retidão, continuarão divulgando vídeos mal editados e imagens caluniosas contra seus opositores. A falsa e absurda história do bolsa puta, e do "o pedófilo é essencial no desenvolvimento da criança" continuarão a ser divulgados nas redes sociais. E cada vez que alguém criticar a calúnia, repetirá-se o bordão de "é livre a expressão", como se isso justificasse difamação e fraude.

Ou sequer um grande exposeé sobre o continuado genocídio da juventude negra nas grandes metrópoles, cometido com aparente prazer por nossa polícia. A cada nova morte, vai continuar se repetindo o mantra de "bandido bom é bandido morto" - contanto que esse seja pobre e preferencialmente negro - independente do que o falecido fazia o fez. Se levou bala, é bandido, não? E acompanha ainda o bordão... "não sou racista, mas...".

Não teremos mais do que uma página noticiando a triste realidade da disparidade de 36% nos salários de negros nesse país - independente do grau de ensino, antes que se alega que é ligado a educação - ou qualquer comentário a respeito do preconceito gritante no perfil desejado para trabalhadores, ao menos não fora da mídia alternativa.

Nada se levará a julgamento ou se comenta sobre esquemas descarados de sonegação de impostos, superfaturamento e lavagem de dinheiro. Bancos e empreiteiras continuarão imunes as repercussões de seus próprios atos criminosos - afinal, corrupção é só culpa de político.Tolamente se continuará comprando produtos supervalorizados, e continuarão se ouvindo desculpas de que "é o imposto", que de alguma maneira milagrosa faz os produtos quintuplicarem de valor (ou mais) - e não a ganância desmedida do empresariado ou a tolice do consumidor que aceita tais preços.

Continuaremos com uma taxa de estupro superior a de homicídios - em si já absurda - e com figuras públicas alegando que não há definição legal de estupro; que o atendimento médico-legal a vítimas de estupro é uma tentativa rasteira de legalizar o aborto (que já é legalizado para esses casos); que cultura de estupro não existe, e é só vitimismo; ainda teremos aqueles que veem uma menina de 11 anos ser bolinada pelo professor, e condenam a menina, não o professor, e que frente a um relato de primeira mão, documentado e registrado de um estupro explícito, acham que é armação.

E no nível mais básico de todos, passado tudo isso ainda não se aprendeu o que cada esfera do governo faz, cada poder faz ou quem fez o que; Culpa-se Dilma por algo que aconteceu quando ela não estava no governo; pelos excessos do governo carioca; por leis absurdas e o preço da passagem; pela fragilidade das escolas estaduais; pelas falcatruas das secretarias municipais da saúde; passados meses que o homem já voltou ao Senado e assumiu a presidência do mesmo, ainda chamam Renan Calheiros de mensaleiro; A urna eletrônica que FHC implementou agora virou complô do PT para roubar eleições; analfabetismo e ignorância política, uma marca de orgulho.

Mas ei... isso tudo é só coisa de petralha querendo desviar a atenção, não é mesmo? Os mensaleiros foram condenados, não tem mais corrupção, assim como não havia antes do PT. Qualquer um que diga o contrário é pago pelo PT, não é? Festejemos...

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