domingo, 22 de dezembro de 2013

Rico demais para consequências?

Quatro mortes. A sentença: rehabilitação, porque ele foi
levado pelos pais a entender que era
"rico demais para lidar com as consequências"
Em 15 de junho deste ano, Ethan Couch, um jovem de 16 anos de Keller, Texas, saiu um pouquinho da linha: Junto com sete amigos, Couch roubou um engradado de cerveja de uma loja Walmart, e com um nível de alcóol no sangue de 0.24 (o triplo do legal no Texas, um dos mais lenientes estados americanos), partiu pela estrada no condado de Tarrant. À 110km/h em uma estrada cujo limite era de 65km/h, e em uma pesada Ford F-350, a "aventura" do jovem texano teve um fim prevísivel: a morte.

Não, não a dele, infelizmente: A beira da estrada estava o carro da cozinheira Breanna Mitchell (24 anos), cujo pneu havia furado. Mitchell recebia assistência de três moradores locais, Hollie Boyle, Shelbie Boyle e Brian Jennings quando Couch perdeu o controle e iniciou uma série de colisões que matou os quatro e feriu outros sete. O acidente, mais um entre tantos deste tipo; o que torna o caso notável é o desfecho. 



Julgado no início deste mês, Couch foi sentenciado a dez anos de liberdade condicional, juntamente com reabilitação, mesmo com quatro acusações de homícidio por embriaguez - que deveria resultar em uma sentença de até 20 anos de prisão. O motivo de tal leniência? Segundo sua defesa, o rapaz era incapaz de associar suas ações com as consequências devido a "affluenza": sua família seria tão rica, mas tão rica, que o jovem não seria capaz de responder por seus atos, pois seus pais haviam lhe incutido a ideia de que dinheiro compra privilégios. 
Segundo o psicólogo chamado pela defesa, Dick Miller:
Prior to sentencing, a psychologist called by the defense, Dr. G. Dick Miller, testified that [Ethan] Couch's life could be salvaged with one to two years' treatment and no contact with his parents. ... Miller said Couch's parents gave him "freedoms no young person should have." He called Couch a product of "affluenza," where his family felt that wealth bought privilege and there was no rational link between behavior and consequences. 
He said Couch got whatever he wanted. As an example, Miller said Couch's parents gave no punishment after police ticketed the then-15-year-old when he was found in a parked pickup with a passed out, undressed, 14-year-old girl. Miller also pointed out that Couch was allowed to drive at age 13. He said the teen was emotionally flat and needed years of therapy.  
Ou colocando em termos simples, Couch era rico demais para ser culpado. Não irei me alongar na incoerêcia dessa sentença. Não há como justificar responder a essa criação doentia dando privilégios e imunizando a consequências. Miller também alegou que seria uma injustiça com o jovem condená-lo a prisão, ou a um centro de detenção juvenil apesar da severidade do crime. Segundo o psicólogo, o rapaz veio de um "sistema doente" e não lhe faria bem "colocar em outro sistema doente". Então mantenhamos ele no sistema doente, não? Continuem sem levar em conta as consequências dos atos dele, ao que parece.

Certamente não se veria tal leniência da juíza responsável pelo caso se Couch fosse de uma família pobre e tivesse sido incutido com a ideia de que se dirige bêbado; ou se ele viesse de um lar abusivo, onde a violência é "a solução" para todos os problemas, e tivesse agredido alguém; então porque deveria ser efetivamente perdoado por homícidio por ser rico demais para aprender?

A "punição" não poderia ser mais patética - e mais lamentavelmente comum. Couch não é o primeiro filhinho de papai a escapar da justiça por ter um pai rico e "bom histórico familiar": é só o primeiro em que isso é assim descarado. E não é uma exclusividade dos EUA, ou de menores infratores - casos assim abundam pelo mundo, e alguns até viram filme, pintando seus ricos criminosos como pobres vítimas do luxo em que foram criados... enquanto aqueles que imigrantes, minorias e excluídos são tratados como culpados e perversos - mesmo sem terem cometido crime algum.

A respeito do caso, o editor do Dallas Morning News, Mike Hashimoto teve o seguinte a dizer: "Apesar de toda a morte que deixou, Ethan Couch não aprendeu nada que ele já não soubesse: é muito melhor vir daquele lugar rico onde essas consequências sujas não importam; isso é para outra gente". Alguém tem alguma dúvida que Couch vai continuar dirigindo bêbado após essa? E agora todos os outros filhinhos de papai, depois dessa defesa bem sucedida, tem mais um caminho de escape: "Eu sou rico demais, meus pais não me ensinaram que era errado, me deixa ir". E novamente, matar alguém com um carro é tratado como algo menor.



Por último, uma demonstração de onde a falta de consequências para quem é rico chega: Ano passado um banqueiro esfaqueou um taxista. Porque podia. Porque sabia que iria se safar. E se safou - foi processado, mas não punido. Pois era grande demais para cair.