segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Davizinho

Davizinho é um cidadão de bem; é uma pessoa direita - respeita as leis, paga seus impostos em dia, trata todos igualmente, luta pela democracia e pela liberdade. É integro e coerente, bem informado e respeitoso.

Ou assim ele gosta de pensar... Davizinho é um tipo bem comum, que repete os mesmos bordões de senso comum para tudo - mas é um cidadão correto e integro, não é?

Quer dizer... ele respeita as leis de verdade né? Nada de errado em comprar contrabando, em piratear, não é? "Bandido bom é bandido morto", diz Davizinho, sua resposta pronta para a violência urbana - mas quando tem que mostrar documentação na blitz, é "abuso de autoridade". Para manifestante, a resposta pronta é bala de borracha - mas pro empresário que usa mão de obra irregular? "O estado tem que tirar a mão da economia". O rapazote que lhe abordou de madrugada? Tem que ser jogado na cadeia pro resto da vida! Agora, o colega que foi processado por racismo? "Ah, mas e a liberdade de expressão?".

Ele trata todos igualmente, ou assim gosta de pensar. Davizinho não é racista - ora, ele sequer acredita que isso exista! Não, o problema, diz ele, é que os negros se vitimizam demais e o branco é oprimido nisso. "Racista, eu? Ora, mas minha emprega é negra!" responde; "A polícia não é racista, tem PMs negros", alega; "Se tantos negros não fossem bandidos, não teria porque barrar eles", defende - sempre tapando os olhos. Ele desviar quando vê o rapaz de pele mais escura vindo a distância não tem nada de racismo, não... é só precaução. "Esse é o tipo do bandido", explica.

Tampouco é homofóbico - só não quer essa "depravidade" perto dele. "Quer ser gay, é escolha sua", diz, "Só faça isso longe da minha vista". Pro Davizinho típico, que totalmente não é homofóbico, vivemos uma ditadura gay. A mera ideia de um beijo gay na TV lhe causa repulsa; legalizar o casamento civil, uma afronta aos direitos individuais - mas como afronta, ele não consegue explicar. E se o filho for gay? "Não tenho que me preocupar com isso, meus filhos serão criados direito". Pois como todos sabem... isso aí de viadagem? É pai relapso.

Davizinho acredita piamente na meritocracia - e por isso, se opõe intensamente à programas sociais. "Depois pobre se enche filho pra ganhar bolsa família e não ter que trabalhar", reclama o Davizinho, tirando informação sabe se lá de onde. Se ele conseguiu chegar onde está, por que esses vagabundos não conseguem? Afinal, ele também é pobre - certo que estudou em colégio particular e já tirou férias na Europa, mas a ajuda dos pais nada teve a ver, não é?

Ao menos ele é bem informado... Quer dizer, ele não lembra quando foi a última vez que leu um jornal - todo mundo sabe que a mídia é governista e mentirosa. Do que importa, ninguém cobre: Ninguém fala da perseguição contra os empresários; dão espaço para "vagabundas", mas não se fala de como o homem é oprimido; cheio de cobertura de protesto, deviam proíbir isso (a cobertura. O protesto, Davizinho já proíbiu na sua cabeça).

Os mensaleiros foram julgados e condenados, mas Davizinho ainda bate nessa tecla. "O maior esquema de corrupção da história", diz - e quando confrontado com esquemas maiores? "Tem muita coisa que não foi descoberta porque a mídia petista acobertou!". Seu envolvimento com as notícias se resume aqueles comentaristas que dizem o que ele quer - tipo aquela moça que falou do carnaval... Ela falou agora dos bárbaros invadindo o espaço de bem né?

Bom mesmo era na ditadura - não que Davizinho admita isso: quer dizer, ele admite que é a favor dos militares. Só não admite que era uma ditadura, porque "ditadura é coisa da esquerda". E de esquerda ele entende: nazismo? esquerda. Ditaduras? Todas de esquerda! Obama? Comunista! Partidos no Brasil? Todos de esquerda. Ele ouviu assim. Aquela verdade que vem da barriga, e não do cérebro - essa é o bastante pro Davizinho

É. Davizinho é um cidadão de bem... Mas ele é bem intencionado, e não é isso que importa? O seu coração está no lugar certo, pensa o Davizinho - ele só quer livrar a sociedade desses parasitas e gerar um espaço onde o cidadão bem seja seguro e protegido contra os "bandidos". E não é isso que importa?

*Qualquer semelhança com Davis reais ou fictícios é mera coincidência.

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