sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O ano começa tenebroso...

2014 promete ser um ano duro - não apenas no sentido de "dificuldades", mas na perspectiva de dureza, repressão e violência que se anuncia no horizonte, junto com a radicalização de discursos violentos e agressivos que vem  marcado o debate politico. Com a aproximação da Copa do Mundo e das eleições, parece claro que este será um ano marcado por forte violência contra manifestações; na mão de ideólogos "sem ideologia" como Olavo de Carvalho e Reinaldo Azevedo, o discurso conservador está cada vez mais se virando para a violência; o velho discurso do "Bandido Bom é Bandido Morto" ergueu sua cara feia mais uma vez depois da enormidade de violência no Maranhão - e enquanto a população carcerária se consumia em uma orgia de violência e facções criminosas tomavam o lugar de um estado falho, corrupto e omisso, a governadora do estado encomendava camarões e lagostas, o país ficava sem saber o que fazer, e a população assistia ao furor com um prazer sádico, digno da audiência de um espetáculo gladiatorial. Um começo tenebroso para um ano que promete ficar pior.

Cada vez fica mais claro que o debate tem se tornado impossível: adeptos da mentalidade ultra conservadora propagada por lideranças como os acima citados rejeitam a priori qualquer argumentação contraria como "parte do marxismo cultural". Os gritos de "ditadura gay", o clamor pela censura-em-nome-da-liberdade-de-expressão visto quando o status quo é criticado. A violência contra minorias e militantes de esquerda. O odio intenso contra "aqueles" - gays, cubanos, negros, indios, ateus, umbandistas, funkeiros, favelados, drogados, escolha qualquer um. Tudo isso se torna cada dia mais óbvio.

E a retórica de ódio não deve vir como surpresa, vinda de um segmento que tem como mentores intelectuais o "filósofo" que considera "cala a boca seu filho da puta" como forma de argumentação, ou o jornalista que recorre a insultos rasos como expressão profissional. O que de certa maneira surpreende e choca é que os mesmos que atacavam e invalidavam a palavra do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva por ele não ter formação acadêmica idolatrem e chamem de "mestre" alguém que rejeita a acadêmia e se considera o maior intelectual do Brasil - enquanto se diz humilde.

Assim, não me surpreende quando uma senadora diz que há "uma ditadura indígena" e que os "indios estão indo para onde tem inteligência" e invadindo "pessoas que estão lá há décadas". Não me surpreende que um assim dito "economista", depois de tanto criticar o estado brasileiro por "jogar dinheiro fora" para se adequar ao protocolo, ataque o presidente do Uruguai por não gastar dinheiro com o que para ele é tamanha frivolidade. Não me surpreende em nada.

E  me surpreende ainda menos que a região onde decidiram entregar em escolas o pífio livro "O minimo que você precisa saber para não ser um idiota" seja a mesma onde tem sido feitas ameaças contra imigrantes baianos. Nada disso me surpreende: é reflexo da matriz ideológica que se formou ao redor da política brasileira, onde golpear um senador do PSOL na boca do estômago é aceitável, mas criticar um humorista pela humilhação a que sujeitou uma doadora de leite que não pôde se defender é "censura". É rotina já.

Como bem colocado pelo meu caro amigo Felipe Silveira no Chuva Ácida, a policia tem se endurecido contra manifestantes com uma intensidade... memorável. Na manifestação desta quarta-feira, o aparato de repressão oficial marcou presença, ostentando armamento frente aos protestos - mas isso é rotineiro: o que sai da norma em Joinville (e que me leva a questionar a situação no resto do país) é outra coisa. Entre outros descalabros oficiais, a polícia ameaçou prender todos que estavam dentro de um ônibus (pois manifestantes estavam dentre os passageiros); Um amigo meu, Marcus Carvalheiro, do Coletivo Metranca, foi diretamente ameaçado por um policial que gesticulava indicando que "o pegaria mais tarde"; Outra manifestante foi intimada a "conversar mais tarde". Se este é o quadro em Joinville - onde a repressão tradicionalmente não vai além de "estar olhando e fazendo nada" - qual o quadro em outras cidades? O que está acontecendo para chegar a este ponto?

Eu gostaria de ser capaz de dizer algo sobre a situação no Maranhão - mas as demonstrações de ódio e a paixão pela violência que tenho visto em comentários a respeito me deixaram sem qualquer palavra. Não depois de ver os mesmos tipos reacionários em prol do porte irrestrito de armas e munição defendendo a tortura e decapitação de um homem preso por... porte de munição. E em alguns casos, fazendo ameaças de violência e insultos contra o pai do morto - que não tem culpa pelos crimes do filho, que em si não são justificativa para tortura-lo e decapitá-lo, como se vivessemos na idade média.

Junte-se isso a tendência nefasta de tratar tudo e todos os presos como sendo culpados por estupros seguidos de tortura, e todos que se opõe a esse tratamento como sendo "bandidos/amigos de bandido/parente de bandido", e tem se uma receita perigosa. A mania brasileira de achar que uma policia autoritária e violenta não deve ser criticada, pois "só quem fez algo errado teme a polícia" (mesmo após inúmeros casos de abuso da polícia, basta procurar. Amarildo diz oi, o livro Rota 66 também) me leva a perguntar... será que estes gostariam de viver sob o jugo do Grande Irmão? Seria Oceania a sociedade ideal para eles, e o Panopticon um estado desejado? Afinal, quanto a espionagem americana, não foram poucos que insinuaram que quem reclamou "escondia coisas ilegais". Que tara é essa por autoritarismo, afinal?

Estamos entrando na segunda dezena de 2014, e as coisas não parecem boas. Só isso tenho a dizer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário