quinta-feira, 13 de junho de 2013

Protestos e incômodos.

De alguns anos para cá, graças à popularização do “slacktivism” via internet, a esfera pública brasileira se viu tomada por uma ideia... revolucionária (só que não): o protesto que não incomoda. Essa figura enigmática emerge da boca e dos dedos de setores que não tinham a ver com a causa, para defender o seu conforto.

Apareceu quando se protestou contra a presença de Marco Feliciano na CDHM; quando alunos da USP protestaram contra a presença da PM na universidada; na greve dos bancários, dos professores, dos profissionais de saúde; nas marchas da maconha, feministas, gays e outros excluídos, e agora dá as caras em resposta aos gritos, berros, bloqueios e atos contra o aumento abusivo das passagens em São Paulo.

Ora, alguém por favor explique o que seria um protesto “que não incomode”. Chegamos ao ponto em que há sugestões para que protestos e atos públicos passem a ser realizados exclusivamente nos sambódromos de São Paulo, e que “sejam permitidos apenas manifestantes em silêncio” no plenário da Câmara dos Deputados. E enquanto isso, se reclama constantemente do “silêncio” e da placidez do brasileiro.



À luz da recente intervenção artística do grupo “Muito Longe do Real” nas ruas de Joinville, um grande amigo meu reclamou que a mesma “atrapalhava o trânsito”. Em setembro do ano passado, conhecidos meus reclamavam simultaneamente da greve dos Bancários (pois “outras categorias tinham mais dificuldades, tipo os professores” - e porque os efeitos dela os incomodavam) e da dos professores - “por que isso só prejudica o aluno”. Chegavam a insinuar que a greve beneficiava o patrão e feria o trabalhador “de verdade”. Um chegou a sugerir que fizessem a greve “fora do horário bancário”, quando não o atrapalhasse.

Não que não hajam erros e excessos nos protestos, nas greves e nas manifestações dos revoltados e excluídos: casos como os de queimas de ônibus, assassinatos de políciais e vandalismo demonstram que não raro a revolta serve como o disfarce “perfeito” para a ação de elementos podres, quando os revoltosos não se tornam ícones da mesma violência que prometiam combater. E enquanto os estudantes e trabalhadores revoltados com o preço da passagem são demonizados, a Polícia que os espanca é ignorada quando volta sua violência contra um jornalista.

E romantizamos demais os movimentos pacíficos: lembramos de Mahatma Gandhi como “padroeiro da independência” indiana, e esquecemos da importância de líderes mais violentos, como Baghat Shing e Surya Sen. O movimento negro americano cada vez mais esquece de Malcolm X e dos Panteras Negras, fazendo parecer que todas as conquistas foram fruto do discurso por oras apaziguador de Martin Luther King. As vozes de paz são importantes: mas a luta também o é, nenhuma conquista social veio da “benevolência” do grupo dominante. Parafraseando Churchill - que por sua vez foi contra as tentativas de apaziguar os nazistas - tudo veio ao custo de Sangue, Suor e Lágrimas.

Por vezes parece que como povo, ainda não somos capazes de entender que greves, protestos e intervenções são feitas para incomodar, interromper e “encher o saco”. Elogiamos a “coragem” dos egípcios contra Hosni Mubarak em 2011, e a “bravura” dos Sírios contra Basshar Al Assad enquanto as notícias de sua luta são coisa nova - tão logo ficou “chato” ouvir sobre, os antes heróicos rebeldes sírios passaram a “terroristas” e “vagabundos”, como hoje insinua a Fox News, que paradoxalmente ataca Al Assad em um momento, e o defende em outro.

Do mesmo jeito, parece que só toleramos a revolução quando é em algum cafundó de judas, em um país de terceiro mundo ou uma ditadura aberta: a mesma rebeldia e revolução que se vê na Primavera Árabe, tão alardeada pelos jornais internacionais, foi duramente criticada quando se manifestou na voz dos excluídos na França, em 2005, e agora na Suécia. E este não é um problema brasileiro: É um problema humano.

Somos conformistas por natureza, vemos a revolta nas ditaduras como algo bom, mas não queremos ver ela onde achamos ser um paraíso. Não podemos esquecer que não há rebeldia, revolução, progresso ou protesto que não incomode - se qualquer coisa, os gritos de “façam isso em um lugar que não atrapalhe” devem ser vistos como sinal de que está dando efeito. Se o efeito é positivo ou negativo, cabe ao futuro dizer.

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