quinta-feira, 13 de junho de 2013

Do "vagabundo" e a violência da PM

Crédito: Folha de São Paulo
A narrativa oficial dos protestos que correm soltos pela grande São Paulo, frutos de mais um aumento nas passagens (o que pode até parecer trivial para quem não usa o transporte coletivo - e não sabe da situação lamentável do serviço, já caro, e dos lucros altíssimos das empresas) pinta a situação como a luta de um bando de baderneiros e vândalos que não querem pagar contra uma polícia que está apenas fazendo o seu serviço. Não são raras as imagens de placas, ônibus e outros bens públicos danificados após a passagem da horda de jovens do movimento passe livre. E o Reinaldo Azevedo não tinha contado de um PM que foi linchado pelos manifestantes? Pois então...

Crédito: Folha de São Paulo
O problema é que ninguém quer saber do outro lado. Enquanto a imprensa oficialesca só fala do vandalismo, dos ônibus queimados, dos motoristas incomodados com o trânsito parado, e da polícia “se arriscando contra os baderneiros”, pouco se fala da motivação dos mais de 20 mil manifestantes que ocupam as ruas de São Paulo. (tratamento silencioso que receberam também os membros do movimento Ocuppy Wall Street: sabíamos quem eram, onde estavam, de onde vieram. Mas ninguém ouviu o que queriam) No pouco que se ouviu das vozes por trás da revolta, uma definição clara: “Trata-se de revolta popular, sem controle”.Enquanto os motoristas acham que o preço da passagem é irrelevante, o povo grita basta - e não é ouvido.

E ainda menos se fala do que está escancarado: a brutalidade com qual eles tem sido tratados pela PM de SP. A mesma barbárie da qual a nossa polícia militar está acostumada, igual a que tem chocado o mundo na Turquia, aqui sendo defendida pelas classes dominantes e pelo poder público - e com o aval do povo. Uma violência unilateral, não servindo de defesa para os PMs as acusações de vandalismo - ou sequer o único policial "linchado" pelos manifestantes. Frente a uma violência sistemática de tão longa data, alvo de pressões por parte da ONU para o desativamento de uma polícia que mais parece esquadrão da morte, parece covardia que homens armados e treinados digam temer pela sua vida frente a estudantes e trabalhadores desarmados.

Como relembra portal do UOL, as tarifas do transporte coletivo tem sido alvo frequente de medidas judiciais após protestos e manifestações públicas. A revolta já deu resultado parcial em Natal, onde estudantes bloquearam a BR-101 e conseguiram levar a emissão de uma portaria reduzindo a passagem de R$ 2,40 para R$ 2,30, depois que a prefeitura aumentou a tarifa de R$ 2,20, em maio. Na capital carioca já foram presas 31 pessoas em protestos contra o aumento da tarifa, após um reajuste de R$ 2,75 para R$ 2,95, anunciado no começo do mês - seriam apenas vagabundos em uma luta vazia?

Mas não é da validade ou não desta luta que quero falar desta vez, mas sim da hipocrisia que cerca o tratamento dado aos “vândalos” de São Paulo - e o olhar conivente dado aos abusos por parte da polícia. Enquanto o governo do prefeito Fernando Haddad (PT) diz que não vai “negociar em situação de violência”, e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) diz ser intolerável a ação dos “baderneiros”, a polícia seguia “descendo o cacete”, (se me perdoam o termo coloquial) nos manifestantes, nos transeuntes e nos jornalistas.

Pelo “crime” de carregar vinagre, a PM de São Paulo prendeu o repórter da Carta Capital, Piero Locatelli nesta quinta-feira, soltando o durante a noite. Na quarta-feira, o repórter da Associação Cidade Escola Aprendiz Pedro Ribeiro Nogueira fora espancado por policiais, e depois detido e levado ao 78º Departamento Policial. Seu crime teria sido ajudar duas estudantes agredidas pela polícia - mas por conta disso chegou a ser acusado de envolvimento com gangues.


E enquanto a sociedade se conforma com o espancamento de jovens na maior cidade do país, idolatramos a mesma atitude por parte de jovens turcos: enquanto o levante popular aqui é recebido com grosseria, o deles é visto com compaixão, e os mesmos atos da polícia que trouxeram o suplício dos turcos a tona aqui são vistos como "o jeito certo de tratar vagabundo".

Nossos polícias e oficiais de "justiça" - termo a ser usado com parcimônia nessa situação - não vêm problemas em declararem o desejo pela violência. Na semana passada, o Promotor de Justiça Rogério Leão Zagallo chamou a atenção por declarações irascíveis no Facebook: na postagem ao lado, Zagallo escreveu "Por favor, alguém poderia avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial?". Zagallo foi desligado da universidade Mackenzie pela polêmica e é alvo de inquérito no Ministério Público. Mas não é o único a ultrapassar a linha de ignorar a brutalidade policial para a incitá-la. E o que o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tem a dizer sobre isso? "Infelizmente temos visto isso acontecer em São Paulo. Acho absurdo e não é assim que se vai conseguir qualquer reivindicação", disse a respeito dos manifestantes. Nem uma única palavra sobre as ações da polícia. Não podemos adorar as manifestações de revolta popular fora do país, e tratar os revoltados brasileiros como monstros "por nos incomodarem". Não adianta de nada condenar a violência com a qual ditadores e turcos tratam a população, se aqui vamos achar lindo que a PM faça o mesmo - você pode discordar dos movimentos Passe Livre, mas se acha certo o tratamento que estão recebendo, admita uma coisa a si mesmo: você é a favor do que a Turquia tem feito, e do que Basshar Al Assad tem feito. Só isso.

Para uma outra leitura pela mesma vertente, apontando os absurdos da polícia - e comentando melhor do que eu o quão mentirosa tem sido a cobertura da grande mídia  - o Felipe Silveira do Chuva Ácida fez um texto excelente. Aproveitem.


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