segunda-feira, 17 de junho de 2013

Os dias da borracha e os anos de chumbo...

"Estamos preservando a ordem" - essa foi a única desculpa dada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro para repetir neste domingo o mesmo tipo de insanidade demonstrada pela PM de São Paulo na noite de quinta-feira. Novamente uma tentativa de protesto pacífico foi duramente reprimida à balas de borracha, cassetetes e bombas de gás lacrimogênio. Assim como no protesto contra o absurdo valor do transporte coletivo de São Paulo, entre as vítimas da violência policial está a imprensa (vide a cobertura do Terra).

Enquanto quem não entende o porque destes protestos acha correta e justa a atitude violenta das polícias, e concorda com medidas autoritárias como a proibição de manifestações no estado de Minas Gerais ou a tentativa de enquadrar protestos pacíficos como "terrorismo" (o que já está sendo feito em estados dos EUA), aqueles que não se deixam levar pelo senso comum olham estarrecidos. A velha mídia e os políticos em suas torres de marfim acham que se trata de "rebeldia sem causa" por míseros 20 centavos. Os acomodados de plantão perguntam porque essas pessoas não vão "protestar contra a corrupção", sem entender que é justamente isso que ocorre. E do conforto de suas casas, reclamam que o brasileiro não protesta, ao mesmo tempo que congratulam a borrifada de spray de pimenta sobre a imprensa. Dizem "mereceram por apoiar o lado errado" e chamam bala de borracha de "opinião".

Vivemos em um país onde nada do setor público funciona como deveria, e direitos básicos são restritos às elites - uma saúde pública quase falida, com filas de espera descomunais e falta de médicos, enquanto hospitais e planos de saúde privados custam pequenas fortunas na perspectiva de quem vive com um salário mínimo. Enquanto os colégios de elite contam com uma infraestrutura de primeira e professores bem pagos, o ensino público ocorre em escolas em ruínas, tutelado por profissionais que muitas vezes precisam de um segundo emprego para ter renda o bastante para sobreviverem. No passo que a classe média alta para cima pode contar com seguranças privados e recebem toda a atenção midiática quando são vítimas da violência urbana, o povo precisa conviver com a agressão tanto do crime, quanto da polícia, quando estas não se misturam.

E em meio a tudo isso, o mesmo governo que não oferece serviços básicos de qualidade se põe a investir mais de R$ 26 bilhões em obras que trarão pouco retorno ao país - mas muito darão de lucro aos gatos gordos da FIFA. E ao que parece uma entidade estrangeira teve poder o bastante para tirar rádios do ar durante os protestos da tarde deste domingo. O fator "copa acima de tudo", junto com o aumento abusivo da passagem em SP e a repressão monstruosa, sem igual desde os anos da ditadura, tem servido de estopim para os protestos que correm pelo país. Mas não é sobre 20 centavos, sobre os gastos com a Copa, ou os estudantes, transeuntes e jornalistas agredidos: é o acumulo de tudo isso. O que temos visto é o grito ignorado da população, pena que alguns fiquem no conforto de seus lares agindo como se não fossem afetados.

A raiva popular só cresce ante as mentiras descaradas das polícias. Da alegação de que estão "protegendo a ordem pública" ao transformar a Quinta da Boa Vista em uma zona de guerra, até as ridículas histórias de que o policial filmado quebrando a janela da própria viatura estava "retirando estilhaços" e de que a bala de borracha que atingiu a repórter da Folha de São Paulo Giuliana Vallone "ricocheteou no chão" e acertou a jornalista direto no olho, as Polícias Militares parecem não ter vergonha de mentir. Como mais explicar um balanço operacional que, em uma noite em que 105 manifestantes e 12 jornalistas foram feridos, alegue que só 12 pessoas - todas PMs - saíram feridas? No protesto em Brasília neste sábado, enquanto testemunhas e imagens mostram um protesto pacífico - reprimido com direito a atropelamentos - a PM alega que os manifestantes "partiram contra a tropa".

Esta semana, devem ser vistos os protestos da população por todo o país -e os esforços de repressão das Polícias Militares em todos os Estados. Junto com o grito brasileiro, urram também simpatizantes ao redor do mundo - e se é apenas uma causa de "rebeldes sem causa", como alega o jornalista Arnaldo Jabor, seria o mundo assim tão cheio de "gente cheia de ódio" e "sem motivo para lutar"? Quem dera todas as PMs fossem como a de Minas Gerais, que abriu caminho para os manifestantes em despeito a lei absurda proibindo manifestações. Mas na maior parte, são clones pobres da Rota e do Bope - esquadrões da morte mal disfarçados, braços de repressão nascidos em um regime que via o povo como inimigo.

E em nosso "democrático" país, enquanto o governo do Estado propõe "negociações" e concede o "direito" dos manifestantes portarem vinagre (essa arma terrível), o mesmo Estado afirma que ira aumentar o contingente policial para conter as manifestações de hoje. Pois na visão bem informada de Geraldo Alckmin, o problema da última quinta-feira foi que a repressão não foi forte o bastante. Para "preservar a ordem" e "garantir o direito de ir e vir " da população, a PM do Rio essencialmente manteve reféns os manifestantes e os transeuntes na Quinta da Boa Vista - a declaração dos jovens ao serem liberados? Obrigado por nos deixarem vivos.

Isso é democracia? É liberdade? a função da polícia não é proteger a população? Então porque estão nos antagonizando? Começo a acreditar em um conhecido meu, PM, que me disse que havia intenção declarada de um novo golpe militar. Estamos vendo a derrubada do estado de direito, e a ascensão de um estado policial - E a volta dos horrores do governo militar. Até quando?



Afasta de mim este cálice...



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