domingo, 23 de junho de 2013

Audaciosamente indo onde a TV jamais esteve...

"Espaço: a fronteira final. Estas são as viagens da nave estelar Enterprise. Em sua missão de cinco anos... para explorar novos mundos... para pesquisar novas vidas... novas civilizações... audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve"

Era com estas palavras que se abria cada episódio da série original de Jornada nas Estrelas, uma ótima súmula das tramas que aguardavam o espectador - e enquanto na telinha o capitão James Tiberius Kirk (William Shatner), seu fiel oficial de ciências Sr. Spock (Leonard Nimoy) e o altamente emotivo oficial-médico McCoy (DeForest Kelley) iam "onde nenhum homem jamais esteve", por trás das câmeras o criador Gene Roddenberry audaciosamente ia onde a tv jamais havia ido. Vendendo a série como uma mera aventura espacial, Roddenberry fez na TV aquilo que a literatura de ficção científica, e não poucos filmes já faziam: trabalhar os problemas sociais e políticos através de alegorias futuristas e propor um mundo onde estes eram resolvidos pela razão, a ciência e o humanismo. O que para a literatura já era banal, trabalhado em obras como Lensmen, Fundação e Skylark, na TV ainda era novidade - apenas as antológicas Twilight Zone e Outer Limits se arriscaram nessa praia, e não tão fundo quanto Star Trek ousava.

Se hoje a série original de Star Trek parece ficção "trash" e até "genérica", em 1966 Trek era uma proposta arriscada, e assim como seus bravos exploradores estelares, desbravou novas fronteiras da produção televisiva. Em uma época em que o racismo ainda imperava nos EUA, se destacou não apenas pelo elenco central multi étnico - marcado pela estonteante oficial de comunicações Uhura (Nichelle Nichols, negra), o navegador Hikaru Sulu (George Takei, asiático e como hoje se sabe, mais-gay-que-o-Elton-John, Oh my!) e o engenheiro Scotty (o canadense James Doohan, fazendo papel de escocês quando estes eram muito discriminados) - mas por ser a primeira série de tv americana a faze-lo. Sua segunda temporada arriscou ainda mais com a adição do alferes Pavel Chekov (Walter Koenig), um russo heróico em plena guerra fria, e cuja introdução foi anunciada com elogios pelo jornal estatal soviético Pravda.

Alguns marcos só foram alcançados graças ao empenho dos atores - ao saber que seriam gravadas duas versões para o que poderia ser o primeiro beijo inter-racial da TV americana no episódio "Plato's Stepchildren", uma delas sem o beijo, Nichelle Nichols e William Shatner deliberadamente estragaram todos os takes, garantindo que a cena iria ao ar como planejado. Em sua auto-biografia, Nichols menciona que a única tomada "aproveitável" sem o beijo ainda envolvia Shatner "vesgo" - e que após dias de gravações perdidas, os figurões da NBC cederam e deixaram o beijo ir ao ar.


É fácil pensar que Trek foi, como seu concorrente Perdidos no Espaço, apenas mais um fruto bobo da FC barata dos anos 60 - mas fazer isso seria ignorar a imensa influência cultural e tecnológica de Star Trek - e não falo apenas nos Trekkies! Se hoje telefones celulares, tablets e outros apetrechos tecnológicos são uma rotina, isso em grande parte se deve a Star Trek: o inventor do primeiro telefone celular portátil, Martin Cooper, citou os comunicadores da série como sua inspiração. Então gerente de sistemas da Motorola, Cooper tropeça nos fios do telefone ao mesmo tempo que via Kirk comunicando-se tranquilamente enquanto caminhava por uma paisagem alienígena. “Subitamente lá estava Kirk falando em seu comunicador” lembra-se “conversando, sem cabos!”. Cooper é apenas um entre os muitos inventores e cientistas que se espelharam nas maravilhas futuristas de Star Trek, querendo trazer um pouco daquele mundo para o nosso. O primeiro ônibus espacial recebeu o nome de Enterprise, em homenagem a nave de Kirk; Impressoras 3D, teletransporte, replicadores de alimentos, escâneres universais - Roddenberry nos tentava com tudo aquilo, e mais.

The fact is, never in the history of any entertainment medium has there ever been a story, an idea, a situation, a set of characters, or a theme that has approached the magnitude or impact of Star Trek. -Stephen Edward Poe, A Vision of the Future

Da mesma maneira,não fosse Jornada nas Estrelas desbravar o caminho, não haveriam obras como a "vencedora" em popularidade Guerra nas Estrelas, as séries de TV Battlestar Galactica, Babylon 5 e Stargate. Não haveriam jogos como Mass Effect, Homeworld e X³ - ou seriam consideravelmente diferentes. Estava aberta uma caixa de pandora que mudaria a ficção científica "popular" para sempre, e geraria um legado de mais de 700 episódios em 30 temporadas de televisão, 12 filmes e mais de 40 jogos, acumulando 140 indicações ao Emmy e 31 premiações.

As aventuras espaciais eram apenas uma faceta da obra de Roddenberry - embora o Trek original ainda refletisse muito da ideologia intervencionista americana, o futuro apresentado pelas viagens da Enterprise era muito diferente do status quo americano: a Federação Unida dos Planetas nos proponha um admirável mundo novo (sem ironia, ao contrário do clássico de Aldous Huxley) sem miséria, desigualdade ou ganância; onde o acumulo de bens materiais e de capital era uma marca de um passado bárbaro, e a humanidade havia abandonado "velhas superstições" em nome do humanismo e o racionalismo. Onde russos e americanos podiam conviver em harmonia, extraterrestres podiam ser nossos maiores aliados, e em qual a solução para os conflitos não se resumia ao uso irrestrito da violência.

A luz da época, no auge da guerra fria, nem tudo isto conseguia ir ao ar - e não eram raros os episódios que contradiziam o caráter pacífico da federação, ou seu status pós escassez. O futuro proposto na Federação só pode se manifestar por completo anos mais tarde, em A Nova Geração - mas as raízes de um futuro especulativo efetivamente socialista já estavam firmemente plantadas. E em uma série de TV comercial dos EUA.

Esse caráter inovador foi meio que perdido em meio as exigências da NBC durante a produção da série original. Ele estava presente no primeiro piloto, "The Cage" - do qual foi aproveitado apenas a premissa e o personagem do oficial de ciências vulcano Sr. Spock - no qual os conflitos eram resolvidos na diplomacia e na inteligência pelo Capitão Christopher Pike (Jeffrey Hunter, e o personagem foi muito bem resgatado pelos recentes filmes de J.J. Abrams, por sinal). Mas o canal queria algo menos "cerebral", e o resultado final envolveu um capitão mais "audaz", jogo rápido e soluções mais "ativas", e conseguiu o que esperava em um segundo piloto, "Where no man has gone before". A versão “resolver diplomaticamente, violência em último lugar” teria que esperar mais um pouco, e a mensagem anti-militarista só tomaria o palco plenamente em 87 com a Nova Geração, mas era algo.

Está podre, Jim...
Claro que, na prática, Trek não foi tudo aquilo: O tempo de produção restrito, orçamento baixo, uma boa dose de roteiros medíocres (do qual se destaca tranquilamente o abismal “Spock’s Brain”) e a falta de empenho de certos atores no papel muitas vezes resultavam no mais puro humor acidental, quando não chegava aquele “belo” nível de tão-ruim-que-é-horrível. Eram lutas risíveis, atuações dolorosas e defeitos especiais como o terrível monstro alienígena Horta, vulgo "a pizza de semana passada" - assim como a inglesa Doctor Who, a série original de Star Trek nem sempre primava pela qualidade visual, e mesmo quando boa, isso não envelheceu bem (Ao contrário de sua rival na cultura pop, Star Wars).

Assistam, e entenderão...
Isso para não mencionar quando aquilo que era uma das mais progressistas séries de ficção científica na TV americana acabava por cair nos mais vis estereótipos - tramas como “Code of Honor”, de TNG, onde os primitivos e tribais alienígenas com os quais Jean Luc Picard (Patrick Stewart) deve negociar não apenas são todos interpretados por atores negros, como ainda se vestem com trajes tribais africanos - ou a caricatura anti-semita dos Ferengi, alienígenas que deveriam ser “os novos Klingons” (esses em si já uma caricatura da "ameaça vermelha" - a série nunca primou pela sutileza), mas que logo em seu primeiro episódio tornaram-se piadas de mal gosto. Graves tropeços em uma série que propunha algo melhor.

Gene Roddenberry faleceu em 1991, deixando para trás um mundo muito alterado por sua visão. Em reconhecimento a sua contribuição em mover a humanidade em direção as estrelas - e ao dia em que teríamos, parafraseando o astrônomo Carl Sagan, não um nascer do sol, mas um nascer da galáxia - a NASA lançou suas cinzas ao espaço. Em morte, assim como em vida, seguia "audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve antes". Cabe a nós como espécie seguirmos, e levarmos em frente uma sociedade com aquele quê de humanismo e curiosidade científica - e não exploração gananciosa - que Gene nos mostrava em 1966. Uma vida longa e próspera a todos, e Dobra 5 a frente, senhor Sulu!

Um comentário:

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