quarta-feira, 19 de junho de 2013

O protesto coxinhizado

Após as boas novas da intensa movimentação desta segunda feira - que já discorri a respeito aqui - agora vêm as más notícias da mobilização de mais de 250 mil pessoas por todo o país. Não falo do vandalismo, dos saques realizados aproveitando o caos, ou sequer do retorno da repressão policial - esses fatores, por mais lamentáveis que sejam, são de se esperar ante a revolta. Não, o problema fica mais embaixo: a cooptação de um movimento popular tradicionalmente ligado às esquerdas por parte da burguesia e da direita reacionária.

Embora o fluxo de pessoal novo como resposta a horror da repressão tenha dado força ao levante popular, ele também fez com que o movimento se metamorfoseasse de forma singular. Sem alarde, a pauta original - a revolta contra os aumentos abusivos das passagens no transporte coletivo, o descaso com a mobilidade urbana, a relação promíscua do poder público com as empresas privadas, e a resposta à dura repressão - deu lugar a gritos que muitas vezes eram diretamente contra sua raiz. A direitização do movimento dá as caras em pedidos que vão desde o genérico "contra a corrupção" (como se alguém se posicionasse a favor) até absurdos como o impeachment de Dilma Rousseff ou (pasmem) a volta dos militares ao poder.
A tentativa de redirecionar o foco...

"É evidente que essas questões também são importantes, mas os jovens que estão nas ruas estão preocupados com questões muito mais profundas. A juventude está mostrando que não quer compartilhar dos valores individualistas, consumistas e utilitaristas da geração de seus pais. 
O grito dos jovens está longe de bradar contra os “mensaleiros”, contra a inflação, contra as políticas sociais de transferência de renda. O movimento é progressista por natureza e agora tem de saber lidar com uma ameaça feroz: a direitização. 
O aparelho midiático que serve a esses interesses já foi acionado. A grande imprensa já está mobilizada para maquiar o movimento de acordo com um ideário conservador, por isso o povo precisa fazer seu recado ser entendido."

...Desvia o interesse para a direita..
Não que o rapto do movimento pelos setores conservadores da sociedade não tenha começado antes: começou na semana passada, quando percebeu-se que a repressão não silenciaria o levante, e na onda mor dos protestos, nesta segunda-feira, criou-se o mito de que "o gigante havia acordado". Como se os movimentos sociais tivessem surgido no dia 17 de junho de 2013. Não, o Brasil não "acordou". Ele "ergueu-se" pelo volume das manifestações, mas sempre esteve acordado. E talvez fosse melhor que permanecesse abaixado, sem que se tentasse roubar seu foco.

.... para pedir privatização de bens públicos...
Enquanto burgueses apáticos que nada faziam para protestar fingiam que o "Cansei" contava como protesto, LGBTs, negros, estudantes, maconheiros, feministas, favelados e outros "subversivos" mantinham-se na luta constante, enquanto o país olhava para o outro lado. Agora que não é mais possível desviar o olhar, a mesma direita que semana passava defendia a repressão alega que o movimento é deles, o inimigo é o PT e a esquerda, e que a pauta "real" é a punição dos acusados do mensalão, o fim das cotas raciais e das bolsas qualquer coisa, a redução dos impostos, e tudo menos a mobilidade urbana.

... a volta da ditadura...
A sana dos direitistas que agora tentam roubar um movimento que é acima de tudo sobre a mobilidade urbana, e fazer dele um processo de impeachment contra Dilma Rousseff não é exatamente difícil de entender. Vivemos uma democracia jovem e mal compreendida, não temos experiência em regimes democráticos: a maior parte de nossa história foi uma sequência de ditaduras e curtos períodos onde a população era "meio-que-ouvida". Não é de se surpreender portanto que muitos pensem no chefe do executivo como uma espécie de semi-deus do governo Brasileiro, responsável direto por tudo e todos.

E justamente daí vem a obsessão com culpar o governo do PT (que não é isento de culpa - na melhor das hipóteses, os sacrifícios da governabilidade aleijaram o governo. Na pior, é incompetente e corrupto): da falta de compreensão da democracia. Culpam Dilma por decisões do legislativo (como a de por o PMDBista Renan Calheiros na presidência do Senado); por medidas constitucionais (como o mesmo Renan Calheiros assumir a presidência durante a ausência da Presidenta e do vice); por leis de 1991 (como o auxílio reclusão); e até por medidas de um governo estadual do PSDB (como o cartão recomeço, vulgo "bolsa crack").

... e a desregulamentação total de mercado.
No meio de tudo isso, as manifestações populares encontram-se no risco de duas coisas: ou de serem, como bem definiu um amigo meu, coxinhizadas e virarem mais massa do que conteúdo - algo que talvez já tenha ocorrido nesta segunda; ou pior, lentamente serem transformadas em um repeteco da Marcha com Deus por Tradição, Família e Propriedade, conforme os reacionários suplantem a raiz do movimento - e já há tentativas de "gentilmente" expulsar o Passe Livre das passeatas. E pior: houve manifestantes tentando passar de "defender o transporte público" para "pela privatização total do transporte coletivo".



Reaça, vaza dessa marcha...

2 comentários:

  1. Deixa eu entender, os libertários propõem uma alternativa para melhorar o transporte: privatização, desregulamentação e fim dos impostos e depois vc reclama que estão tirando o foco do movimento que seria por "mobilidade urbana".
    Vc tb diz que acha ruim a promíscua relação entre poder público e empresas privadas, e quando os libertários fazem uma proposta para acabar de vez com essa relação promíscua, vc acha ruim?
    Tudo que os libertários fizeram foi focar no problema do transporte público apresentando soluções reais e mudança de rumo, diferente do que vc insinua nesse artigo onde a proposta sua seria MAIS ESTADO, MAIS SUBSIDIO.
    Vc quer mais do mesmo e nem admite discutir isso.
    Realmente é um paradoxo vc falar em democracia.

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  2. Falar em democracia excluindo as opiniões divergentes me parece contraditório. Típico da esquerda fanática que acredita não existir boa intenção nenhuma nas pessoas que seguem ideologias que tendem a apoiar o livre mercado, a iniciativa privada e as liberdades individuais. Parece que estes esquerdistas clamam: Liberdade de expressão! (Se você concordar com as minhas idéias, é claro!)

    Não há intenção de estabelecer um debate. Há intenção de impor uma ideologia. Isso é democracia? Parece mais uma ditadura socialista!

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