sábado, 23 de fevereiro de 2013

Corrupção - um desafio fora de tempo

Ignoramos os ricos e os lobistas na corrupção. Fonte: Lyle Llahey
Muito lamenta-se a falta de ética na sociedade contemporânea, como se essa outrora grande virtude fosse desvalorizada nos tempos modernos. Afinal, nos bons e velhos tempos a ética era bem vista e recompensada, não é? Se hoje temos absurdas violações de qualquer noção minima de civilidade, como por exemplo o grupo HSBC ocultando US$ 60 trilhões em lavagens de dinheiro e transações excusas para grupos criminosos e e terroristas, nos idos tempos aureos da humanidade essas coisas não ocorriam, certo?



Saudosistas de um tempo que nunca existiu, algumas pessoas chegam ao ponto de insinuar que a corrupção, a malandragem e o "jeitinho brasileiro" surgiram nessa geração - "no meu tempo isso não exisitia", dizem. Ou que a politica nacional era limpa antes do governo do PT, que as guerras eram justas antes do governo Bush, e que os malefícios das ditaduras implantadas por URSS e EUA (sua mera existência uma forma grotesca de corrupção) eram pequenos se comparados a atual corrupção que estaria dizimando a sociedade contemporânea.

Tendências na percepção de corrupção
1997 a 2010. Fonte: The Globalist
Porém, é verdade que a corrupção - ou ao menos a percepção de corrupção é um problema crescente. É difícil estabelecer se as irregularidades e abusos tem crescido globalmente, ou se tem ficado mais difícil ocultar a informação, mas o fato é que a percepção de corrupção no mundo em grande parte tem crescido - e não apenas em países de terceiro mundo, como aponta o jornalista do TheGlobalist, Bernard Wasow.

Essa percepção de corrupção foi um fator chave para a chamada "Primavera Árabe", indica Wasow - mas como a posição do Brasil, do Reino Unido e de Israel na tabela parece relembrar, a percepção de corrupção crescente não significa que a população vá agir a respeito.

Vendo por certas atitudes comuns, isso parece ser um lamentável efeito colateral da transição de governos: enquanto nos países árabes o governo corrupto era o mesmo há gerações, nos países democráticos há a promessa de um admirável mundo novo sem corrupção se a oposição for eleita, e sempre sobra a possibilidade de ignorar os deslizes do governo anterior ao criticar o atual.

Ignora-se que no governo militar, em nome de interesses estrangeiros foram desperdiçadas fortunas em uma malha rodoviaria pouco eficiente, para subsitituir uma malha ferroviária muito mais extensa que o necessário, que por sua vez assim o existia em nome de lucrativos contratos da Coroa portuguesa, do império brasileiro e da república com empreiteiras estrangeiras. Ao criticar as (atrozes) medidas americanas no oriente médio, europeus fingem que seus antepassados não fizeram o mesmo e pior com africanos, asiáticos e indo-americanos. A corrupção é um problema do hoje, antes não existia, ou assim acaba se pensando. O corrupto de hoje é o moralizador de amanhã - e que depois volta a ser o corrupto.

Ainda assim, mesmo com a resultante complacência da população em enfrentar abertamente o mau uso do poder público e sua confusão constante com o que é privado por parte daqueles investidos  no poder, e de seus financiadores, a democracia permanece mais desejável que um estado ditatorial. A mudança por via democrática tende a ser lenta, mas a mudança à força dá poucos resultados no final das contas. Como o aftermath da primavera árabe demonstra, Egito e Líbia passaram de um governo corrupto e autoritário para outro governo corrupto e autoritário, dessa vez com apoio internacional. O mesmo ocorreu com Afeganistão e Iraque após a derruba das ditaduras do Talibã e de Saddam Hussein pelo governo americano: se trocou um problema por outro, sem qualquer mudança real.

Como todo dilema social, muito se encara a questão da corrupção como um fenômeno totalmente alheio a civilização. Uma aberração sem causa e sem contexto, desprovida de conexão com o restante da realidade. O mesmo tratamento é dado a pobreza, a violência e a criminalidade: não são vistas como consequências e fatores do quadro social, mas uma anomalia que só pode estar relacionada aos vícios de caráter de seus agentes diretos.

Mas não olhamos para os pequenos fatores cotidia os que cercam a corrupção, os pequenos deslizes éticos do dia-à-dia. Pior, como espécie, sentimos-nos justificados quando "levamos a melhor" e escarncemos quem não se aproveita das oportunidades para ganhar aquela vantagem à mais. Algumas sociedades tem sido mais bem sucedidas em combater a "esperteza" deslavada - outras, como o American Way of Life, parecem incentivar a corrupção e a malandragem. Culpa-se o estado pela corrupção, sem reconhecer a influência corruptora do mercado.

Esquece-se que o superfaturamento de obras públicas começa não na prefeitura, mas nas empreiteiras que cortam gastos e aumentam custos, oferecendo generosas propinas para que políticos e fiscais "olhem pro outro lado". Culpa-se o governo americano - não livre de uma imensa parcela de culpa -pela leniência com petrolíferas frente a desastres ambientais, pela violenta ação militar no oriente médio e pelo descaso com os conflitos civis a respeito de diamantes no continete africano... Mas não é dada importância a culpabilidade ainda maior das empresas de "defesa", das petrolíferas e das joalherias em pressionar, subornar e até chantagear o congresso a americano para permitir esse quadro.

Os ataques com remotos de Obama são criticados pelos mesmos
republicanos que defendem bombardear preventivamente o Irã.
Fonte: USAF
Da mesma maneira, enxergasse o desafio da falta de ética de maneira unilateral, como se toda oposição ao corrupto fosse inerentemente dotada das mais puras intenções, e qualquer tentativa de questionamento da oposição configurasse defesa do estado de podridão ética "nunca antes visto". Para criticar as não raras medidas autoritárias, a presença militar ostensiva e os drone strikes do governo Obama, os republicanos fingem que tais medidas não foram iniciadas e usadas com maior frequência durante o governo de George W. Bush. Não há debate nesse sentido: as réplicas são vistas como defesas "fanáticas" do governo democrata, e as tréplicas como ataques desmedidos.

No Brasil, a situação mais notável desse maniqueísmo ético está relacionada ao governo Lula e o escândalo do mensalão - qualquer tentativa de se discutir os multiplos e escabrosos casos de corrupção durante os governos anteriores - desde a ilegitima posse de José Sarney como presidente da república até a onda de privatizações a preço de banana no governo FHC - é reduzida pela oposição e pela população muitas vezes pouco informada à "querer inocentar o PT". Enquanto isso, defensores igaulmente mal informados do governo atual vem no julgamento do mensalão uma tentativa de derrubar o governo Dilma. Curiosamente, independente de qual orgão está envolvido com corrupção, a culpabilidade sempre recai sobre o executivo federal.

Isso tudo não seria um problema tão grave se as raras ocasiões em que as falhas do passaso não fossem usadas para um mero tu quoque como réplica do grupo vigente. Se quisermos uma solução duradoura para a corrupção e os deslizes éticos, temos que começar a olhar as causas, reconhecer os erros do passado, e parar de almejar pelos "velhos tempos" quando as pessoas eram éticas, honestas e verdadeiras. Tais tempos não existiram. O que há de ser feito é combater as verdadeiras raízes do problema: uma cultura de leniência com a esperteza, um poder econômico que não se importa em burlar os meios devidos para conseguir o que quer, e um quadro social que age como se a corrupção do "seu" lado fosse ou justa, ou meras intrigas da oposição, enquanto a corrupção dos outros é "uma atrocidade nunca antes vista".

Um comentário:

  1. Saudações, Pedro.

    A percepção da corrupção, assim como a percepção dos problemas sociais em geral, parece concentrar-se sempre no fato a ela relacionado e não na sua origem social. Entendo que o problema começa na postura do sujeito em relação à sociedade, ou ao que ele entende por sociedade. Nas sociedades em que o mercado é mais influente do que as demais instituições, o sujeito tende a adotar a ideia que é mais responsável por seus próprios atos e que, de algum modo, todos partem do mesmo ponto (é o que explica a existência de discursos como "bandido bom é bandido morto", "pobre é pobre porque não trabalhou", entre outros que satisfazem o ego daqueles que não são bandidos ou pobres, constituindo um arsenal de frases prêt-a-penser que negam a necessidade de estudo do contexto). É como se, no fundo, a sociedade fosse um amontoado de sujeitos que se associam por seus interesses e ponto. A insensibilidade por vezes atinge um ponto tal que, contanto que não fira os interesses diretos da pessoa, ela ignora a existência do corrupção.

    Lamento não poder construir um comentário mais completo, mas parabenizo-te pelo texto e pelo blog. Temas relevantes, proposições orientadas por uma análise crítica e um layout que favorece, e muito, a leitura.

    Inda inté!

    PS: Recomendo-te uma pequena revisão deste texto. Há algumas letrinhas trocadas que incomodam a leitura.

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