quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Paradoxo nuclear: Irã x Coreia do Norte

fonte: macwallhd.com
No começo desta semana, mais uma vez, Pyongyang aprontou uma das suas e reacendeu velhas tensões diplomáticas, com o que é oficialmente o terceiro teste nuclear realizado pelo governo Juche da Coreia do Norte - digo oficialmente, pois sabe-se lá quantos testes fracassados o governo mais isolado do mundo não assumiu. Seguido ao teste, como de costume da ditadura da família Kim, o governo norte coreano repetiu as batidas  e vazias ameaças contra seus vizinhos do sul e o governo dos EUA, cheio do mesmo Bravado que demonstra continuamente desde 1953.



"O último teste nuclear foi apenas a primeira ação, que executamos da maneira mais contida possível", afirmou o ministério norte-coreano da Defesa em um comunicado publicado pela agência oficial norte-coreana KCNA."Se os Estados Unidos complicarem a situação com sua persistente hostilidade, não teremos outra opção a não ser executar uma segunda ou terceira ação", completou a nota, que não revelou a natureza das ações. (via Folha  de São Paulo)

Por ora, a reação global foi apreensiva - Seoul qualificou o teste nuclear como “uma ameaça inaceitável” à estabilidade e a paz na região, Berlim e Londres foram enfáticos em definir a ação como uma violação do direito internacional - em vista das três sanções da ONU contra o país asiático - e o presidente dos EUA Barack Obama prometeu “defender firmemente” a Coreia do Sul contra as possiveis agressões do vizinho do norte. Desafiando as espectativas, a China - a última aliada dos Kim - uniu-se à cadeia de condenações ao teste nuclear coreano. De maneira geral, estudam-se novas e mais duras medidas contra o governo de Kim Jong-Un.

Nada de realmente novo, analisando a conturbada história da região - agressões e ameaças da Coreia do Norte são quase rotineiras, e destaques recentes incluem o naufrágio da corveta Cheonan em março de 2010 e o bombardeio de artilharia contra a ilha de Yeonpyeong em novembro do mesmo ano, para não mencionar os testes de misseis de longo alcance contra o mar do Japão - as vezes disfarçados de “lançamento de satélites”. E como sempre, o resultado é discussão de novas sanções, conversa com embaixadores da Coreia do norte, e “um tapinha no pulso” dos norte coreanos.

Mas o problema maior não é a reação - ou falta de, é extremamente claro que não haverá qualquer medida prática a respeito do assunto - às agressões e ameaças Norte Coreanas, mas sim a total hipocrisia demonstrada pela comunidade internacional quando se trata de programas nucleares. Porque digo isso? Uma palavra: Irã. Ou melhor, a hostilidade encarada pelo Irã por ter a possibilidade de armas nucleares em um futuro não muito próximo.

Enquanto as ameaças abertas de Pyongyang contra Seoul (ameaças que convenhamos, Pyongyang não tem
intenções de cumprir) são tratadas “diplomaticamente”, e o programa nuclear armamentício da Republica Popular Democrática da Coreia é respondido com sanções meramente simbólicas, o altamente primitivo programa nuclear iraniano - que em 20 a 30 anos poderia levar a um programa bélico  - é retaliado com uma dureza aterradora. Enquanto Pyongyang tem estimadas 17.900 peças de artilharia viradas diretamente contra Seoul, Teerã carece sequer de uma fronteira com Israel - mas é tratada como uma ameaça direta ao maior aliado dos EUA no oriente médio. Enquanto Seoul pede por sanções mais rigorosas contra o norte, com quem oficialmente ainda está em guerra, Tel Aviv ameaça medidas unilaterais contra o governo dos Aiatolás “antes que seja tarde demais”.

O paradoxo de tratar calmamente um país abertamente hostil - e que alega ter capacidade para atacar os EUA diretamente - e hostilizar outro cujo potencial bélico foi suprido completamente pelos EUA e Israel durante o governo de Rehza Pahlevi, cuja ultima ação bélica foi se defender de agressões iraquianas em 1987, e que foi um asset estratégico contra os Talebans desde 1998 deveria ser claro, mas como tudo em geopolítica, o andar da politica local e internacional mostra que a ficha não cai tão cedo.

Por causa de supostas armas de destruição em massa, os EUA entraram em uma estúpida guerra contra o Iraque, sem qualquer previsão de acabar, apesar da queda do regime de Saddam Hussein. Durante o mesmo malfadado governo de George W. Bush, do “bravo” discurso contra o que o “gênio” responsável por termos como “Misunderstimate” e “Tarriers and Baxes” definiu como o “eixo do mal”, Pyongyang estava se armando nuclearmente - e a resposta se restringiu ao campo das palavras.

Chega a ser irônico que Israel seja o mais agressivo crítico das ambições energéticas de Teerã, quando em 1977 Tel Aviv se propôs a satisfazer as ambições nucleares do governo Pahlavi, após o presidente dos EUA Jimmy Carter se negar a providenciar Teerã com armas nucleares. Não é preciso olhar muito a fundo para notar que o apoio israelense se foi quando Pahlavi caiu na revolução iraniana e o novo governo não era mais amistoso aos interesses dos EUA e de Israel para a região.

Ormuz: a artéria carótida do petróleo global.
Mas há um motivo de força maior para as duas situações - por um lado, o Irã fica em uma região rica em recursos naturais, incluindo gás natural, petróleo e urânio, com um posicionamento estratégico, controlando grande parte do fluxo de petróleo através do estreito de Ormuz. Parafraseando o clássico “Duna”, aquele que controla o petróleo controla o globo, e o sangue da civilização contemporânea
deve fluir, não importa o custo - ou assim dita o mercado. Do outro lado, a Coreia do Norte é um país agrícola, com uma infinitude de refugiados “esperando para acontecer” e poucos recursos naturais - minérios de baixa qualidade, solo pouco fértil, e muitas minas terrestres, resquícios da guerra da Coreia. Obvio onde é mais vantajoso para a potência hegemônica intervir, não?

Mas o fator de maior peso é a China: uma intervenção militar na Coreia do Norte implicaria na melhor das hipóteses em uma retaliação chinesa dentro do território da DPKR, o que poderia levar a uma escalação progressiva das hostilidades entre EUA e China. E ao contrário dos países islâmicos - uma massa de ditaduras brutais e retrógradas, pelas quais não se deveria nutrir nenhuma simpatia, mas que alguns insistem em apoiar - Beijing tem mais do que condições de retaliar os EUA diretamente. Se qualquer coisa, a leniência com as agressões norte coreanas são prova de que a guerra fria não acabou - só mudou um dos lados.

URSS e EUA evitaram agressões diretas porque sabiam que no momento que fosse dado o primeiro disparo, seria o fim para ambos - o seu arsenal nuclear garantia isso - da mesma maneira, EUA e China não se atrevem a intervir entre as Coreias, pois isso seria o fim de ambos, assim com o ainda pequeno arsenal nuclear Norte-Coreano impede Seoul de declarar guerra. E justamente por causa disso Israel e EUA são tão hostis a mera ideia de que Teerã tenha qualquer potencial nuclear: a ideia de destruição mutuamente assegurada no oriente médio daria a Teerã controle efetivo sobre o estreito de Ormuz e o golfo de Oran.

Claro que posso estar enganado - não sou um diplomata, sequer um cientista político, mas não vejo motivos pelo histórico de reações a Pyongyang para esperar algo além de mais um “tapinha no pulso”, e da mesma maneira não prevejo uma redução na hostilidade contra Teerã em um futuro próximo - não sem uma mudança radical no regime, dando lugar a algo mais “favorável” aos EUA. A parte perigosa dessa história? Pyongyang não tem nada a perder - e enquanto uma medida militar contra a Coreia do Norte é implausível, a ideia de um ataque nortista mais intenso não é descartável - ainda mais com um arsenal nuclear e um país sem aliados e sem futuro.

Esperemos que esse paradoxo se resolva por bem: com medidas reais - mas que não resultem em um banho de sangue - contra Pyongyang, e com diplomacia sincera com Teerã. E não com hostilidades cada vez maiores contra ambos. O mundo escapou por pouco da destruição nuclear durante a guerra fria, não arrisquemos isso outra vez.

Um comentário:

  1. Excelente texto!

    Chamo atenção apenas para uma sigla na frase de abertura de um dos parágrafos: "USSR e EUA evitaram agressões diretas porque sabiam que no momento que fosse dado o primeiro disparo, seria o fim para ambos..." Onde está USSR deve ser URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), certo? Se for outra, não captei. Nesse caso seria bom colocar por extenso entre parenteses. Se minha observação estiver certa, é só substituir. ;)

    Mais uma vez, gostei muito da análise e do texto - muito bem escrito.

    Abraço,
    Sergio Viula
    www.foradoarmario.net

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