terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A barbárie venceu...

Fonte: Agência Brasil
Depois de três semanas de violência, e mais de 110 ataques, a onda de atentados que assola Santa Catarina já teve um "vencedor" - se é que se pode dizer que alguma coisa sai ganhando nessa situação. O que se vê em SC depois dos ônibus queimados, das mortes questionáveis resultantes da ação policial, dos presos torturados e das paralisações no transporte coletivo é a mais clara vitória da ignorância, da violência e da barbárie.


Como mais definir um quadro em que o governador do Estado abertamente mente sobre as ações de segurança pública? Onde para "defender a segurança dos usuários" cidadãos bem intencionados barraram o acesso a um ônibus na capital do Estado? Onde após o tratamento mais abjeto à população carcerária, a lógica que impera é sintetizada na frase de um anônimo, relatada no texto do Notícias do Dia: “Porque não entram naquela Penitenciária e dão um tiro na testa de cada um!". A credibilidade do governo foi jogada no lixo ao esconder a entrada da Força Nacional - ou melhor, ao mentir e dizer que ela não viria. Quantas outras ações baseadas em mentiras virão agora, Raimundo Colombo? Já demonstrou falta de transparência em um momento de crise. Novos "deslizes" serão fáceis depois que se justifica a enganação.

A cada novo ataque, o policiamento fica mais presente, a paranoia popular mais intensa, e a lógica do "bandido bom é bandido morto" aparece com mais força - e tudo isso tem falhado em dar resultados, com pouca mudança no quadro de terror e violência que assola Santa Catarina. Ainda assim, após o previsível fracasso da violência em frear a violência, a população clama por mais violência, vide os comentários raivosos vistos nas redes sociais, nas conversas de bar, no burburinho dos shoppings e super-mercados.

Temerosos pela ação dos bandidos, a população se converte em seu próprio algoz. Para garantir o seu direito de ir e vir, alguns populares florianapolitanos se julgaram no direito de impedir os seus concidadãos de entrar no coletivo - afinal, qualquer pode ser O BANDIDO, não é? Para garantir o seu direito de passagem e a sua segurança, um conjunto de cidadãos se viu no direito de prejulgar as intenções de quem inocentemente esperava o ônibus para voltar pra casa. Mesmo com ação da polícia, foram privados de entrar no ônibus - pois na visão amedrontada da população, se deixassem alguém entrar o ônibus seria queimado. Não custa mencionar que os ataques até o momento envolveram retirar os ocupantes antes de incendiar o coletivo, mas ainda assim a imagem mental é de morrer dentro de um ônibus queimado subitamente.

Ao mesmo tempo, enquanto o governador fala em garantir o direito de ir e vir da população, planeja junto a Força Nacional como colocar barreiras e reforçar o policiamento nas fronteiras do estado. E mesmo com as medidas para garantir o "bom funcionamento" do transporte coletivo, os sistemas continuam com horários restritos por todo o estado - em Florianópolis, a UFSC já havia cancelado as atividades presenciais das aulas noturnas, anunciando nesta segunda que elas voltariam ao normal hoje em função "do retorno do transporte coletivo".

Fonte: Dvorak.org
Mas mesmo cortando o serviço e recebendo escolta de policiais que poderiam estar fazendo um serviço mais útil, as empresas de transporte coletivo só demonstram uma preocupação real: que o faturamento seja ameaçado. Como resultado da onda de ataques e da paranoia consequente, comércio, industria e setor de serviços tem passado por dificuldades - causadas em grande parte pelas dificuldades de locomoção dos funcionários frente a um transporte que não funciona, um sistema que sempre foi superfaturado, e que como resultado de tudo deve ficar ainda mais caro - mas acalme-se, cidadão: seu direito de ir e vir não será prejudicado, só fica mais caro e mais lerdo.

Um direito que já pode ter sido perdido na presente situação parece ser o direito a um julgamento justo: dos 70 suspeitos de responsabilidade pelos ataques presos no ultimo fim de semana, cinco são advogados de presos - segundo a polícia, "pombos correio" dos criminosos. Não que para a opinião pública seja necessário prova de culpabilidade - quando se vê abertamente a defesa da ideia de que o réu não deve ter direito a defesa, e que a policia deveria fazer execuções sumárias, advogado de bandido só pode ser bandido, ou assim pensa o senso comum.

A polícia e o excluído, Clay Butler.
No início do mês, à época em que o jornal A Notícia expôs a tortura dos presos no presídio regional de Joinville, outra opinião de elevado grau de fascismo se manifestou online: a intenção de uma comentarista online em formar um "grupo de cidadãos de bem" para "linchar" os "bandidos" antes que estes pudessem cometer crimes - entramos na área do pré-crime, e pior: não seria julgado sequer o crime de pensamento, em si a mais abjeta forma de injustiça, mas o crime de existência. A intenção é clara: matar o "bandido" antes que ele aja - mas quem é o bandido? Aquele que assim o parece ser - ou seja, o pobre, o excluído, o mal trapilho... Na mesma bateria de comentários, se via a gritante defesa da censura prévia - não eram poucos que defendiam que o AN não tinha o direito de divulgar as denúncias de tortura, afinal, a função da imprensa é servir ao "cidadão de bens bem".

O que se faz e o que deveria ser feito... Autor: Dimanca. 
Com falta de ações para inclusão social das populações carentes - que poderiam de fato incapacitar os carteis criminosos que se instalam junto a exclusão social - temos a frente apenas medidas paliativas. Pode-se resolver os sintomas com  policiamento intensivo, e evitar os ataques, por ora. Mas tais medidas, e a hostilização da população carente, associada a imagem popular do "bandido" tendem apenas a agravar o quadro de problemas sociais que deu o poder a criminalidade para não apenas realizar os ataques, mas obter voluntários para as ações. E com a próxima onda, ações mais intensas, mais medidas para excluir o "bandido em potencial", e um grau de paranoia cada vez maior.

O grau de medo e ânsia a favor de um verdadeiro estado policial já chegou a tal ponto que se os ataques pararem, a barbárie deve continuar: a lógica que impera concluirá que foi o policiamento intensivo, a violência e os "cidadãos de bem" que pararam os ataques, e que se voltarmos ao normal, teremos mais violência. Santa Catarina passa hoje por aquilo que o Rio de Janeiro já passou tantas vezes, e que resultou no terror neo-fascista dos grupos de extermínio e do BOPE. Pede-se por uma policia mais rigorosa, por leis mais firmes, por mais prisões, quando já temos uma das maiores populações carcerárias do mundo, um sistema prisional superlotado e uma polícia tão violenta que a ONU recomendou sua dissolução - mas nada disso é o suficiente.

O mesmo processo de medo interminável que os EUA passam desde 11 de setembro de 2001 - o terror venceu, e mesmo que ele pare, vai continuar nos controlando através do medo do que pode acontecer. Nos deixamos controlar por uma possibilidade, e aqueles que poderiam impedir atrocidades como o que ocorreu no Lagoa da Conceição 320 - como o pobre do motorista tentando permitir a entrada de quem esperava o ônibus -  foram silenciados pelos berros de uma ameaça irreal. Deixamos o mal vencer pelo silêncio dos bons, caindo em uma espiral de violência que só tende a piorar - que tal mudar de mentalidade, e atacar as causas, não os sintomas, pra variar?



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