quarta-feira, 13 de março de 2013

O novo papa, o pastor racista e a direita conservadora

As coisas não vão bem no front dos direitos humanos... Enquanto no congresso temos que lidar com a escabrosa corrupção essencial da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, agora nas mãos do racista e homofóbico Marco Feliciano, sem qualquer sinal de que o dito-cujo vá renunciar do cargo apesar de todos os protestos, havia uma esperança de algum  pequeno avanço no debate teológico quanto aos direitos LGBT e da mulher com a estranha renuncia do Papa Bento XVII - não que fosse haver uma mudança real de posição, mas que o novo pontífice ao menos estivesse simbolicamente aberto a debater o tema. E ontem com o fim do conclave, essas esperanças parecem ter sido em vão com a eleição do 266º papa.

Então, temos agora um novo sumo pontífice da igreja católica, o papa Francisco, o argentino antes conhecido como Jorge Mario Bergoglio. Um conservador tão fervoroso quanto Joseph Ratzinger, agora papa emérito. O homem que definiu a adoção de crianças por casais do mesmo sexo como "discriminação contra crianças" e que acredita que a luta pelos direitos homossexuais foi engendrada pelo próprio "Pai das Mentiras". Não é uma situação que seja favorável ao progresso dos movimentos sociais - e aterradoramente, não é a pior situação possível nesse sentido: ao menos não foi escolhido o africano Peter Turkson, defensor da pena de morte para homossexuais. É claro, resta ainda a possibilidade de Dom Francisco mudar suas posições frente a realidade - ou de agravar seu conservadorismo.

Em ambos os casos, o que temos pode ser um sinal de que as coisas estão para piorar - ou podem ser os últimos espasmos de morte do conservadorismo. Como afirma Bertrand Russel em seu "Ideais Políticos", em todos os embates, o lado conservador ao fim das contas saiu perdendo - a questão real é se esse é o sinal do desespero frente a derrota iminente, ou a demonstração de poder do conservadorismo e a prova de que a luta ainda tem muito pela frente. E enquanto a nomeação do Papa Francisco é um sinal de que os conservadores continuam no controle do Vaticano, a situação na CDHM é parte de um projeto maior de poder da direita brasileira. E não se enganem : o conservadorismo aqui continua forte - vide o concurso público para policial que exigia "exame de virgindade".

Comecemos pelo problema local: a nomeação de Marco Feliciano (PSC), pastor de uma das múltiplas igrejas denominadas "Assembléia de Deus". O homem que nega ser racista ao mesmo tempo que defende que "africanos" seriam amaldiçoados, e que essa maldição de sangue seria a causa da trágica situação do continente africano - nada a ver com a maneira em que potencias imperialistas arrasaram a região: é sangue amaldiçoado. O homem que define os sentimentos homoafetivos como "podres" e causadores de "ódio, violência e crime", e chama a AIDS de "câncer gay" - mas que nega ser homofóbico. Que diz a cidadãos LGBT para "manterem suas imundices" fora das ruas. Esse é o homem que agora preside a comissão de Direitos Humanos e Minorias.

Entre seus apoiadores, o ex-torturador Jair Bolsonaro - que frente aos protestos contra Feliciano mandou manifestantes do movimento negro "voltarem ao zoológico". Além de cidadãos semi-anônimos que se negam homofóbicos, mas acham que "tem que bater nessas bichas", que gays deveriam ser presos, ou serem "curados" a força - mas eles juram, não são homofóbicos. Ao mesmo tempo sofre pesadas críticas de famosos como Wagner Moura e Xuxa Meneghel - que o pastor desistiu de processar por tê-lo chamado de "monstro".

Não que os problemas de Feliciano se resumam aos seus posicionamentos quanto a minorias: cinco de seus "assessores" recebem salário da Câmara de Deputados sem trabalhar na mesma. Os mesmos são pastores da congregação de Feliciano, que parece ter aproveitado o cargo para "dar uma boquinha" aos colegas. Em vídeo, o pastor-deputado foi gravado exigindo a senha do cartão de crédito de um fiel cadeirante. "Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir milagre para Deus, Deus não vai dar, e vai dizer que Deus é ruim”, afirma o religioso. Além disso, está respondendo no STF pelo crime de estelionato, por ter embolsado a soma de R$ 13.362,83, referente ao cachê de um evento ao qual não compareceu, alegando "motivos de força maior".

Por mais horrível que a presença de Feliciano na presidência da comissão seja por si só, o pastor-deputado parece ser só uma face de um projeto maior da direita Brasileira: no mesmo dia em que ocorria a primeira e fracassada votação para empossar o pastor, outro absurdo esperava. Blairo Maggi (PR), vencedor do "Motosserra de ouro" como o maior desmatador do país em 2004, assumia como presidente da comissão de meio ambiente do Senado. Em uma só tacada, estavam enfraquecidas as comissões de direitos humanos e de meio ambiente, abrindo espaço para uma possibilidade perigosa, mas almejada pela bancada ruralista: a revogação da PEC do trabalho escravo e a flexibilização do código florestal - ambas um dia desejadas pelo homem que definiu a preservação das florestas como "algo sem futuro". Hoje se diz um homem mudado e que sem preservação não teremos futuro - mas continua defendendo as causas ruralistas antes do ambiental.

Para não mencionar a questão apontada pelo ex-presidente da CDHM, Domingos Dutra (PT): muitas das coisas almejadas pela bancada ruralista, como a liberação de terras em reservas indígenas e em territórios quilombolas eram barradas pela comissão de direitos humanos. E enquanto a bancada evangélica consegue com a nova formação da comissão barrar os projetos de lei ligados aos interesses LGBT - mas é favorável a enormidades como projetos para punir uma suposta "heterofobia" ou para curar a homossexualidade - os ruralistas conseguem o apoio para atropelar aqueles que a comissão deveria defender. Tudo isso para garantir o máximo de lucro e de controle sobre a sexualidade alheia enquanto ainda podem.

E enquanto por aqui a direita ocupa comissões estratégicas para os planos das bancadas evangélica e ruralista, o que o vaticano tem a ver com isso? Quanto ao novo papa, serei breve: entre os católicos, o conservadorismo tem perdido força. Mais da metade dos católicos americanos é a favor da legalização do casamento civil de homossexuais. Mais de 68% deles são a favor do divórcio, e 40% são favoráveis a legalização do aborto. 89% aprovam o uso de métodos anticoncepcionais, e 58% consideram moralmente aceitável a pesquisa com células tronco embrionárias. (dados de pesquisa da Gallup). 

O resultado dessa mudança de posição dos fiéis - contrária a vários dogmas da igreja - é uma miríade de velhos cardeais assustados, entrando aqui a questão levantada por Russel em Ideais Políticos. A posição da "massa" está mudando, e em algum nível o Vaticano parece saber que está perdendo. E nisso reage com força - apontando um ultra conservador para tentar forçar o mundo a seu favor. Não é sem motivo a escolha de Bergoglio - suspeito de ter ajudado a ditadura militar argentina a silenciar opositores. A sua maneira, a ala conservadora do Vaticano está tentando defender sua posição frente a um mundo que não é mais o seu. Comparado a alguns dos outros "papáveis", Dom Francisco não é exatamente a escolha mais diplomática - um conservador fervoroso, mas não tão visceral quanto Marc Ouellet ou Peter Turkson, talvez não tenha a mesma disposição para o diálogo interreligioso como demonstrou o nigeriano Francis Arinze - velho demais para ser candidato a função. 

E enquanto o velho papa saiu em função da idade avançada, outro sinal possível do feedback conservador no vaticano é terem escolhido outro "veterano" para o cargo - ao invés de um cardeal mais "jovem" - até onde 60 anos é jovem - foi colocado o septuagenário Bergoglio. Resta ver se este não irá falecer em pouco tempo de pontificado ou se não irá também renunciar, em vista não só da saúde, mas da onda de críticas encaradas pelo Vaticano. Enquanto isso, embora tenha muita influência no terceiro mundo - e por isso defenda a ampliação da presença católica nos países em desenvolvimento - o novo pontífice deve ter pouca influência entre os fiéis europeus e americanos. Quanto aos brasileiros... é esperar para ver.

Um comentário:

  1. Por favor, gostaria saber o seu ponto de vista quanto a integração da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara) por Genoino e Cunha. Ambos foram condenados à prisão pelo Supremo Tribunal Federal no processo do Mensalão do PT. Isso sem falar no presidente do Senado, Renan Calheiros.

    Como as sentenças ainda não transitaram em julgado, os condenados são considerados inocentes. É o que estabelece a Constituição ao tratar da presunção de inocência, que garante que o cidadão só será considerado culpado com o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória.

    Se as nossas reflexões forem em torno da legalidade, quando discutirmos sobre Genoino, Cunha, Renan, então teremos que admitir que a presidência das comissões de direitos humanos e minoria e meio ambiente também está na sombra da legalidade.

    Se as nossas reflexões forem em torno da moralidade, então devemos admitir que nem tudo que é legal é moral. E a enorme crise de falta de princípios éticos e morais está varrendo o nosso país, independentemente de direita ou esquerda, merece muita reflexão. Ou temos dois pesos e duas medidas dependendo de ideologias partidárias?

    Será que em época de eleições é válido fazer os diabos mesmo?
    Será que o próprio PT não desmereceu as duas comissões citadas em seu artigo, ficando de olho nas que tem maior visibilidade ou garantem mais poder?

    Que não se reclame do fortalecimento da direita conservadora quando a própria esquerda desmerece tais comissões, escolhendo aquelas que lhe dão mais poder. Qual é a prioridade da esquerda? Poder? Ou direitos humanos e meio ambiente?

    Será lá o que for, a prioridade da direita e esquerda, acima de tudo, deveria ser a MORALIDADE!

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