quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Quando um protesto tenta calar a imprensa

Melissa Click: a professora de mídia que chamou "músculo"
para calar a mídia. 
Nesta segunda-feira, Tim Wolfe, presidente da Universidade do Missouri renunciou, após uma série de protestos ligados a lentidão da instituição com casos de racismo no Campus. Esse texto não é sobre este evento, mas um que se seguiu a renúncia de Wolfe. Um com implicações graves quanto a noção de liberdade de imprensa.

Acampados no Quadrângulo do Campus, os estudantes ligados ao movimento #ConcernedStudent1950 (assim nomeado a partir do ano em que os primeiros alunos negros entraram na instituição) declararam o local “um espaço seguro sem mídia”. O que se seguiria era uma demonstração de autoritarismo.

Pouco após a renúncia de Wolfe, membros do protesto cercaram o Quadrângulo aos gritos de “hey hey, ho ho, Reporters have to go”. No Twitter, a conta do movimento destratava a imprensa alegando que “essa história não é sobre você”, e não é: mas ela deve ser coberta. E ao final do dia, o movimento começava outra batalha, contra o jornalismo e o corpo estudantil do curso de jornalismo da Mizzou.


Tim Tai, um veterano de jornalismo a serviço da ESPN.com tentou cobrir as celebrações da renúncia in loco, antes de ser assediado e intimidado por manifestantes alegando que ele “não tem o direito de tirar fotos”. Rejeitando a narrativa do movimento e informando dos seus direitos constitucionais, Tai foi então intimidado por uma administradora da universidade, ligada às fraternidades e sororidades na Mizzou, que alegou que Tai estava “violando os direitos civis dos manifestantes”. A adminstradora, posteriormente identificada como Janna Bazzler, se recusou a se identificar para o estudante, alegando que “seu nome era 1950”.
O confronto foi gravado por outro aluno da instituição, o veterano de história e fotógrafo do jornal da Universidade, o The Maneater, Mark Schierbecker. Schierbecker foi também alvo da ira dos manifestantes, sendo ameaçado pela professora de estudos culturais e mass media Melissa Click - que ante a recusa de Schierbecker em se retirar do espaço público, pediu a ajuda de “músculo” para forçar o repórter a sair. O reitor da escola de jornalismo da universidade de Missouri, Davius Kurpius, condenou a professora e retirou seu título de cortesia dentro da instituição. Kurpius foi só um dos muitos professores de jornalismo nos EUA a condenar Click abertamente.


"Sem mídia - Espaço Seguro":
Descaso com a liberdade de imprensa em
um espaço público.
A justificativa oficial do movimento para esse comportamento era “evitar narrativas desonestas”. Como pretendiam fazer isso é desconhecido. O que se sabe é que, após dois incidentes de agressão verbal e ameaças contra jornalistas do campus, o protesto conseguiu cobertura da imprensa - uma cobertura nada positiva, e que ressalta o comportamento autoritário e censurador adotado por dois adultos envolvidos no incidente.

Tai e Schierbecker fizeram o seu trabalho de forma admirável. O comportamento adotado pelos dois funcionários da instituição não difere em nada de outras tentativas de intimidar jornalistas por parte de políticos (como a expulsão de um jornalista da Univision pelo pré candidato republicano Donald Trump em uma coletiva), empresários e autoridades. E só difere das tentativas de censura de governo ditatoriais pela falta (até o momento) de violência física.

A resposta do movimento e das duas funcionárias - Click e Bazzler - à repercussão foi igualmente negativa.  Enquanto o 1950 tratou de alegar que não impede o trabalho de imprensa contanto que feito por eles mesmos em vídeos postados pelos manifestantes, acesso de profissionais continua barrado a força, as duas duas funcionárias trataram de apagar seus perfis online e recusar respostas e pedidos de entrevistas. O Sistema Grego, das Sororidades e Fraternidades, por sua vez, declarou seu apoio a Bazzler, que considerou ter sido “mal compreendida”.

É compreensível que haja uma falta de confiança na mídia por parte de um movimento ligado a minorias - por sinal, completamente justificado. No entanto, isso não é nem motivo e nem justificativa para expulsar repórteres de um espaço público, alegar que a ela não tem o “direito” de cobrir o ato porque “ a história não é sobre ela” (um argumento que essencialmente anula todo o trabalho da imprensa - afinal, jornalismo não é sobre jornalistas, ou ao menos não deve ser), ou “chamar o músculo” quando esta se recusa a sair. 


A atitude do movimento 1950 gera um precedente perigoso quanto a liberdade de imprensa: a noção de que movimentos sociais tem o direito de expulsar e ameaçar jornalistas no seu meio “por não se sentirem confortáveis”. Isso já tem sido visto em alguns protestos e manifestações aqui no Brasil: em junho de 2013, Caco Barcellos foi expulso aos berros de uma mobilização contra aumentos da tarifa de ônibus em São Paulo. Em novembro passado, um profissional do CQC foi agredido e expulso em uma manifestação contra o governo de Dilma Roussef. Este ano, o Movimento Brasil Livre (MBL) ameaçou e hostilizou jornalistas em uma manifestação no dia 15 de março. Já em novembro, manifestantes pró-Bolsonaro  agrediram verbalmente a equipe do Diário de Pernambuco no Aeroporto de Guararapés, pedindo o retorno da censura.

Independente de qual seu posicionamento político, não é aceitável o uso de “músculo” e intimidação para impedir o trabalho jornalístico, especialmente dentro de espaços públicos. A alegação de que o grupo “se apoderou” ou “tornou aquele um espaço seguro” é irrelevante. A liberdade de imprensa é um dos pilares da democracia e é absurdo que movimentos que se dizem democráticos - em ambos os lados da política - se vejam no direito de impedir o trabalho da mesma. Isto é uma atitude típica de ditadores, visando que apenas o seu lado seja ouvido, sem contraponto e sem questionamento.


*o caso recebe uma dose extra de ironia quando dois dias antes de seu acesso de autoritarismo, Melissa Click havia convidado a imprensa a vir cobrir o protesto.

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