domingo, 15 de novembro de 2015

Paris, o Terror e o Futuro

Cristo Redentor, nas cores da Tricolore. O que vem agora?
A tragédia da última sexta-feira (13/11) deixou marcas profundas. Em uma série de ataques pelos quais o Estado Islâmico assumiu autoria, 128 pessoas perderam suas vidas. 100 delas em apenas um dos ataques: o cerco ao teatro Bataclan, onde a banda Eagles of Death Metal realizava um show. Um banho de sangue sem igual na história recente da capital francesa, incomparável ao caso mais próximo - o ataque a revista Charlie Hebdo no começo do ano.

Mais ao sul e ao leste, em Beirute, outro ataque - também atribuída ao grupo extremista do Iraque e da Síria - Matou 44 pessoas e deixou 239 feridos. Em Bagdá, um atentado suicida em um funeral deixou 18 mortos e 41 feridos. Um dia trágico para Paris, para Beirute, e para Bagdá. E mais do que tudo, um dia trágico para a humanidade.

São cenas de insanidade, sinais de um mundo que perdeu as estribeiras. Jogado ao caos após tentativas frustradas de estabelecer uma nova - ou qualquer - ordem no Oriente Médio. Em todos os casos, foram “retribuição”: contra a França e o Líbano por sua atuação nos bombardeios ao EI, e no Iraque contra o apoio do falecido ao governo local. O Estado Islâmico deixou claro sua intenção de repetir o massacre - e deu a entender que os dias de paz da "Cidade Luz" estavam acabados, assim como estava acabada a paz dentro do seu território.

O presidente da França, François Hollande, chamou a ação em Paris de “declaração de Guerra”, e fechou as fronteiras. O Papa Francisco descreveu os eventos como “o começo da terceira guerra mundial”. Autoridades muçulmanas condenaram veementemente os ataques. Líderes mundiais manifestaram solidariedade com a França. E no horizonte,  o espectro da guerra se reerguia.

Mas uma guerra contra quem? A vaga “guerra ao terror” da década passada se mostrou um fracasso desastroso, que nos gerou o “demônio do século XXI”. Para combater o terrorismo islâmico, as grandes potências geraram um cenário de violência e alienação para um quarto do mundo. Hostilizados pelo ocidente e agredidos em nome do combate ao “terror”, jovens muçulmanos se tornaram presa fácil para o fanatismo. E por extensão do culto apocalíptico e violento que é o Estado Islâmico.

Mas ao mesmo tempo, não é possível alegar, como alguns têm feito, que a França “merecia” ou está “pagando por suas ações”. Menos ainda dizer, ingenuamente, que “é tudo culpa dos Estados Unidos, só deles”. Querendo ou não aceitar essa realidade, o EI é responsável por seus atos, assim como os Estados islâmicos são responsáveis por seus crimes e acertos. E por tanto, devem ser cobrados, criticados e responsabilizados pelo que acontece sob sua tutela.

A França, e com ainda maior intensidade os EUA, foram responsáveis por gestar o monstro que viria a ser o EI ao criar o vácuo de poder que desestabilizou a região,  na guerra do Iraque. E novamente ao armar os rebeldes contra o governo de Bassar al Assad na Síria. Mas é um erro muito grande dizer que ao armar esses rebeldes, muitos dos quais extremistas, estivessem deliberadamente armando o EI. Sim, armaram extremistas e terroristas. É inegável. Mas não tinham ciência ou intenção de que criavam tal monstro.

O momento não é para reações impulsivas, e menos ainda para discursos de ódio contra imigrantes, refugiados - que foram para a Europa fugindo justamente dessa insanidade -  muçulmanos ou árabes. A situação exige mais do que foi feito até agora. E por isso não quero dizer mais força. Há de ser pensada outra maneira de lidar com isso. Já dizia Asimov: a violência é o último refúgio do incompetente. E está na hora do mundo mostrar que tem  competência para lidar com quem é incapaz de conviver com o outro.

Estes horrores não podem servir de base para mais violência. Sim, seus perpetradores devem ser punidos. O grupo responsável deve ser encontrado e detido. Mas responder com mais uma guerra "ao terror" é apenas perpetuar o ciclo de violência e gerar mais uma geração de jovens árabes socialmente alienados, violentados sem nada a perder, facilmente seduzidos pelo discurso extremista. O islã não é o inimigo. Mas a cada novo atentado, perpetua-se a narrativa da "religião do terror" - e com ela, o ciclo de violência que mantém essa estúpida guerra "ao terror".

Quanto às vitimas, destes e de outros atentados e operações de guerra, minhas sinceras condolências. Suas mortes não devem servir para tirar mais vidas: fazer isso seria um desserviço à suas vidas, reduzidas a um combustível tolo para vingança em um mundo onde já há vingança de sobra. Se nos rendermos ao impeto de violência e à barbárie, o que nos separa deles, realmente?

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