terça-feira, 8 de abril de 2014

Ucrânia: As chamas da guerra voltam a arder

Manifestantes pró-Rússia tomaram prédios públicos.
Depois da anexação "via referendo" da Crimeia pelos russos (em um referendo onde as escolhas eram "ser anexado à Rússia" e "se separar da Ucrânia"), outra região ucraniana agora se encontra imersa na violência separatista: o sudeste do país agora se encontra tomado por protestos buscando também uma anexação à Rússia, e pedindo para que o país vizinho mande tropas para intervir. 

Nesta terça-feira, depois de ter prédios públicos tomados por manifestantes clamando pela invasão russa, o governo de Khiev começou a reagir. Em Donetsk, onde a situação é mais grave, militantes pró-Rússia proclamaram a cidade uma república independente, e o governo interino da Ucrânia está enviando não só forças de segurança, mas também "voluntários" ligados a grupos ultranacionalistas e a extrema direita, assim como mercenários da antiga Blackwater Security. Em Kharkiv, a prisão de cerca de 70 manifestantes pró-Rússia foi considerada pelos russos como "uma agressão"; em uma demonstração rara de contenção, protestos em Mariupol e Luhansk não foram repreendidos.

Essa é uma situação que não tem soluções simples: em meio a violência que ameaça eclodir em uma guerra civil (ou pior, uma guerra total) encontram-se conflitos étnicos, ideológicos, uma ressurgência da extrema direita (na forma de grupos como o Pravy Sector - lit Setor Direito - e o partido nacionalista Svoboda) e uma retomada da retórica de conflito entre EUA e Rússia (ambos interessados no controle da região). Falar em um resultado positivo para o conflito atual é difícil - para não falar em ingênuo.

A situação na Ucrânia é de instabilidade dentro e fora: nesta terça feira, congressistas caíram na porrada depois que membros do partido comunista acusaram os nacionalistas de "fazerem o trabalho para Moscou" com a maneira em que conduziram os protestos no começo do ano; para o deputado comunista Petro Simonenko, os nacionalistas gerarem precedentes para justificar a tomada de prédios públicos pelos separatistas ao terem feito o mesmo para derrubar o presidente Viktor Yanukovych. Em resposta, dois deputados nacionalistas o retiraram da tribuna. 

Na fronteira com a Rússia, a pressão de Moscou é palpável: de um lado, os pedidos por intervenção dos separatistas; do outro, os alertas do ministério de relações exteriores de Moscou, que podem facilmente ser tomados como ameaças. No começo da semana, representantes do governo Russo pediram para que Kiev "cessasse toda e qualquer preparação militar que pudesse levar a uma guerra civil", adicionando que "[Kiev] estaria tentando suprimir através da força os residentes do sudeste do país, que são contra as atuas políticas do governo de Kiev" - a mesma linguagem foi usada para justificar a intervenção na Crimeia. 

Mas como notou o The Guardian, a mesma Rússia que alerta contra "preparações militares" é aquela que mantém milhares de soldados nas fronteiras com a Ucrânia; até o momento, Kiev não fez qualquer ação contra o poderio russo, mas nesta segunda alertou que qualquer nova intrusão russa significaria guerra; Guerra esta com o apoio em peso dos EUA e da Otan, ao que tudo indica.


Também segundo o The Guardian, enquanto os olhos do mundo agora se viram para a Rússia como "causa" do conflito na Ucrânia, para estes, grande parte da responsabilidade recaí sobre a União Européia - responsável pela re-eleição irregular de Yanukovych em 2004 - que não sutilmente tentou "fechar as portas" da Ucrânia para a Rússia; a Otan e a crescente militarização ao redor do país, que para o governo Russo serve como outra justificativa para a militarização; e a "hipocrisia coletiva" do ocidente - o mesmo que apoiou a secessão do Kosovo "pelo direito de autodeterminação dos povos", mas condena a secessão da Crimeia, e o mesmo que realizou repetidas "mudanças de regime" em prol da "democracia" - e estabeleceu precedente para a intervenção russa na Crimeia. 

Enquanto isso, o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, alerta para o óbvio: A Rússia estaria tramando uma intervenção "ao estilo da da Crimeia". Segundo Kerry, os eventos recentes tem implicações "perturbadoras"; Em Luhansk, manifestantes estariam colocando minas ao redor dos prédios ocupados, alega o secretário de estado de Barack Obama. Na visão de Washington, é "óbvio" que provocadores russos estão envolvidos em acirrar as tensões no leste do país - em resposta, Moscou levantou as alegações de cerca de 150 operativos da Greystone (a antiga Blackwater) estariam operando na Ucrânia sob o disfarce de "agentes da lei". 

Enquanto a Rússia se prepara para uma "possível-mas-não-premeditada-intervenção", os EUA mantém a ameaça de novas sanções contra o governo russo; Medida que até o momento, pouco parece ter feito em prol do povo ucraniano, que teria ainda mais a perder com a intervenção militar americana. Do outro lado, a companhia de gás Russa Gazpron aumentou os preços do gás para a Ucrânia em 80%, uma medida política para forçar o país a pagar supostas dívidas de US$ 2.2 bilhões, assim como aumentar a instabilidade na região. 

Como está, a Ucrânia se encontra presa no meio do um jogo de poder do qual ela é apenas uma peça; Os interesses ucranianos são secundários em meio ao vai-e-vem de jogadas Russas, Europeias e Americanas envolvendo o já combalido país, para o qual parecem haver poucos prospectos além da guerra. No melhor caso, a Ucrânia irá lentamente se esfacelar frente ao avanço russo, em pequenas guerras civis, rebeliões e "intervenções de paz". No pior cenário, servirá de campo de batalha para algo muito maio que ela mesma - de qualquer maneira, salvo algum evento imprevisto, nada parece indicar um fim satisfatório para essa crise. 

E enquanto alguns apelam para reducionismos tolos, tentando pintar os EUA ou a Rússia como "heróis" contra "o imperialismo", o fato é que o que temos é um duelo de mentalidades imperialistas e autoritárias, do mesmo naipe em que tínhamos na Guerra Fria - com a diferença que agora ambos os lados são capitalistas. 

Esperemos pelo melhor. Caso contrário, não somente a Ucrânia queimará, mas todo o globo. 

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