terça-feira, 15 de abril de 2014

Tolerância religiosa II: o centro comunitário judeu

Fonte: WCBV
Neste domingo, outro caso de intolerância religiosa veio a tona: um homem com um histórico de retórica intolerante invadiu um centro comunitário judaico no Kansas, matando três pessoas: um garoto de 14 anos, Reat Griffin Underwood, seu avô, Wiiliam Lewis Corporon, um dentista de 69, e uma mulher de 53,Terri LaMano, que estava visitando a mãe. Nenhum dos mortos era judeu. Outras duas pessoas estiveram na mira do perpetrador, mas não foram alvejadas. Até onde se sabe, nenhuma das vítimas era conhecida do terrorista atirador. 


Embora o ataque tenha sido indiscriminado, mirado em um centro comunitário e cercado por discursos de ódio, o termo "terrorista" não foi utilizado pela imprensa; detido como principal suspeito do ataque, Frazer Glenn Cross - vulgo Frazer Glenn Mueller - foi líder e fundador de uma célula da Ku Klux Klan, e do Partido Patriota Branco. Cross já havia sido preso anteriormente por planejar o assassinato de um dos fundadores do Southern Povery Lawcenter e tinha um histórico de discursos anti-semitas, segundo o FBI. Quando detido pela polícia, bradava palavras de ódio e encerrou com "heil hitler". Apesar da intenção clara e indiscriminada de intimidar a comunidade judaica, Cross não está sendo tratado como terrorista, mas o caso está sendo tratado como um crime de ódio - ao menos isso. 

Frazer Glenn Cross gritou "Heil Hitler" ao ser preso. Fonte: Kctv
Segundo a Anti Defamation League. Ataques contra centros comunitários judaicos, assim como contra sinagogas, são comuns nessa época do ano - graças a combinação da páscoa e do aniversário de Adolph Hitler (no dia 20 de abril), usados como desculpas por fanáticos religiosos (que culpam os judeus pela morte de cristo) e neonazistas (celebrando o aniversário do Führer). A entidade foi uma das poucas a chamar a tragédia de ataque terrorista. Se o ataque de Cross tem a ver com alguma das datas, não se sabe. Coisa parecida acontece em setembro, quanto "patriotas" usam o aniversário do atentado de 11/9 como desculpa para intimidar muçulmanos. 

Munido de uma escopeta, Cross abriu fogo contra o carro de Corporon e Underwood, matando os dois. Avô e neto estavam no centro para um concurso de canto mantido pelo município, e que poderia render ao rapaz uma bolsa de estudos. Depois, enquanto o centro trancou as portas como medida de segurança, Cross se dirigiu para Villa Shalom, uma casa de repouso que fazia parte do complexo. Lá, matou LaManno. A arma foi obtida através de um laranja; em virtude de condenações anteriores, Cross não tinha acesso legal a armas.

No ano passado, um rapaz de 21 anos abriu fogo contra uma sinagoga em Utah. Em outubro de 2012, sinagogas em duas cidades francesas foram alvo de ataques; Em junho de 2009, um homem de 88 anos matou um segurança no Museu Nacional do Holocausto, em Washington; em 2006, um homem baleou seis mulheres, matando uma, na sede da Federação Judaica de Seattle; casos similares se acumulam ao  longo dos anos. Há de se ressaltar, no entanto, que esses crimes de ódio não se restringem a comunidade judaica: em maio do ano passado, um terrorista atirador invadiu um templo Sikh no Wisconsin, matando sete pessoas - desde 2001, a comunidade sikh foi alvo de mais de 300 ataques. No mesmo ano, uma mesquita foi incendiada por duas vezes no Missouri, e em março deste ano, tiros foram disparados contra uma mesquita em Illinois, durante o horário de culto. No Reino Unido, ano passado dois soldados lançaram explosivos contra uma mesquita em Grimsby - a dupla foi condenada a seis naos de prisão.

Templo Sikh foi avo de ataque em 2013. Fonte: getty Images
Enquanto alguns insistem em negar que intolerância exista, ou que é uma "coisa do passado", esses casos estão aí para mostrar que, infelizmente, o ódio está bem vivo. Junte isso à maneira irregular como ataques são relatados. Enquanto ataques perpetrados por muçulmanos são relatados como "terrorismo", supremacistas raciais, fanáticos cristãos e "patriotas" são referidos apenas como "atiradores"; mesmo o ataque com bombas em Grimsby, ou o massacre de Utoya, na Noruega, foram raras vezes referidos como "atentados terroristas". 

O que levanta a pergunta do que ocorreria caso o ataque tivesse realizado por um muçulmano, ou caso as vítimas fossem islâmicas - ou se o alvo fosse uma sede da YMCA, um igreja, ou um centro cristão. Como seria o noticiário e o debate a respeito? Sendo o alvo judeu, apesar das vítimas não serem, já se vê lamentavelmente uma grande dose de discursos relativizando o ataque, dizendo que é "ditadura do politicamente correto", que não foi ódio, e etc. Quando o templo Sikh foi atacado, abundaram comentários dizendo que "eles mereciam", ignorando não apenas que uma minoria dentre os islâmicos apoia terroristas (enquanto uma parte considerável dos americanos apoia o terrorismo de estado manifesto na forma de signature strikes, double tapping e outras estratégias de "guerra preventiva), mas também que os Sikhs não são islâmicos

Me pergunto se não estamos indo na mesma direção que os EUA na expressão do ódio e da discriminação - Já temos casos numerosos de violência contra religiões afro, alguns deles com ajuda em peso de agentes corruptos do Estado. Temos também uma cultura de violência contra "indesejáveis", e uso de concessões públicas para pregar ódio contra minorias religiosas, sexuais e raciais. Nas áreas mais isoladas do país, já tivemos incêndios contra templos indígenas. O que difere é que nos EUA e na Europa, a violência religiosa - perpetrada com frequência por grupos cristãos ultra conservadores, contra judeus e islâmicos - ocorre no centro de grandes cidades, de forma ainda mais agressiva. E é isso que dá mais medo. 



Isso, e a possibilidade que já ocorra, mas os jornais e as autoridades ignorem ou sejam coniventes com a agressão.

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