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Salário de R$ 10 mil agora é trabalho escravo, dizem estudantes de medicina. O das outras profissões é o que então? |
Ao mesmo tempo em que criticam a falta de investimentos no SUS, e alegam que "medicina não se faz só com médico", os médicos do Brasil parecem empenhados em garantir que se mantenha de forma permanente a carência de pessoal no setor público. Enquanto outras categorias convivem historicamente com condições precárias de trabalho, salários abaixo do esperado, incertezas e uma jornada de trabalho excessiva, nenhuma demonstra tamanha rejeição pelo setor público.
E talvez por isso que seja risível a declaração do presidente da Sociedade Brasileira de Clinica Médica, Antônio Carlos Lopes, de que está é "uma classe que visa, acima de tudo, o apoio ao próximo, a assistência humanística e olha a profissão sob as vistas do amor ao próximo".Se seria este o caso, porque tamanha relutância em atuar no setor público? Certo que as condições muitas vezes são péssimas - mas não vemos professores abandonando em massa a rede pública por causa das escolas caindo aos pedaços.
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Enquanto isso abunda o preconceito contra os médicos cubanos |
"O Ministério da Saúde vai reformar e ampliar 17 mil unidades de saúde e vai construir seis mil novas unidades de saúde para melhorar as condições de infraestrutura, para garantir que os médicos tenham condições adequadas para o seu trabalho. Esse é um esforço que tem que acontecer. Agora, não adianta ter infraestrutura, ou colocar isso como condição inicial, se nós não tivermos o médico. O médico é um profissional fundamental".
Então digam, qual é o problema real para atacar o Mais Médicos? Pois somente a falta de condições não parece ser. Se são as condições ruins e as "condições de trabalho escravo", como alega o doutor Miguel Srougi e seu subalterno, Cesar Câmara - o médico que cobra R$ 450 por consulta, mas diz que só não largou o trabalho particular para ir pro SUS porque o Mais Médicos "é só uma bolsa" -, porque motivo estariam médicos - admitidamente! - se inscrevendo no programa com a intenção de desistir para atrasar a vinda dos profissionais estrangeiros?
Uma pequena fala do Doutor Srougi expõe o verdadeiro problema:
Uma pequena fala do Doutor Srougi expõe o verdadeiro problema:
Ao falar em "vida honrada" e que os médicos europeus jamais se adaptariam aos "rincões abandonados e carentes da nação", Srougi acaba por dizer muito mais do que planejava. Seu discurso revela um elitismo incomensurável de alguém que não se disporia a ir aos "rincões" pela falta de "vida honrada". Leia: Não há como se levar o meu estilo de vida em um lugar desses, jamais que um médico deveria aceitar trabalhar em um lugar onde ele viveria essa vida plebeia. Mas Srougi não para aí:“Tampouco vale a pena discorrer sobre os médicos portugueses e espanhóis. Criados com padrão de vida inatingível para a maioria dos brasileiros, nunca se adaptariam aos rincões abandonados e carentes da nação. Teriam que praticar em condições desprovidas de dignidade e sem chance de propiciar vida honrada para si e seus familiares.” - Doutor Miguel Srougi
“Ademais, dificilmente receberíamos profissionais competentes, prósperos em seus países. Sem um exame de competência, para cá viriam muitos médicos desqualificados, desconfio que até alguns insanos ou foragidos.”Essa talvez seja a fala mais cruel e desmedida deste debate. Pior do que as alegações de que os médicos cubanos sejam "incompetentes" e que sua formação seria "horrível" - sendo que o país tem, segundo a OMS, o melhor atendimento do mundo em saúde pública - Srougi agora sugere pior: que os médicos estrangeiros dispostos a vir atender a saúde pública no Brasil seriam "insanos ou foragidos". Passou de uma crítica a medida para uma tentativa de gerar medo e hostilidade contra os médicos estrangeiros - realmente, lhes parece ser uma questão de "condições de trabalho"?
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Médicos afirmam não haver falta de profissionais, mas os números demonstram a concentração nos estados mais ricos e luxuosos. |
Ou seria um problema de corporativismo? Medo de perder clientes para suas caríssimas clínicas caso o SUS passe a atender como deveria, e de que seja perdido o "luxo" da profissão conforme os médicos parem de ser tratados como semideuses? Já temos o velho problema da exigência arrogante de médicos e advogados de que sejam chamados de "doutor" sem que tenham doutorado - e a petulância de alguns profissionais dessas categorias quando doutores acadêmicos são tratados pelo seu título devido, como se este fosse exclusividade das duas. Imagina então faze-los trabalhar para o "povão"?
E sobre a medicina cubana, direto de uma revista americana da área de saúde:
Segundo a New England Journal of Medicine, “o sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito. Apesar do fato de que Cuba dispõe de recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o nosso [dos EUA] não conseguiu resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante do que os EUA”. http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-reacao-do-cfm-contra-a-vinda-dos-medicos-cubanosEncerrando: sinceramente, se tivesse a perspectiva obrigatória de dois anos de emprego recebendo R$ 10 mil logo após sair da faculdade... eu estaria fazendo festa, e não reclamando. Saibam que enquanto reclamam de R$ 10 mil, jornalistas convivem com um piso de R$ 1.535 aqui em Santa Catarina. E lidamos com condições que raramente são as ideais. Só digo isso.
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