quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A politização dos direitos LGBT

O casamento civil igualitário não é uma questão política. Essa afirmação pode parecer ridícula, e até absurda: como assim o casamento civil igualitário não é uma questão politica? Afinal, os movimentos LGBT não estão politizando isso o tempo todo? Eis a questão: primeiro, isto deveria ser meramente uma questão de direitos individuais. Não há absolutamente nada na legalização do casamento LGBT, ou de qualquer outro direito dos LGBTs, que vá afetar de qualquer maneira a vida de quem não quer se casar com alguém do mesmo sexo - a não ser que você se interesse tanto assim pela vida alheia que é incapaz de aceitar que levem um padrão de vida diferente do seu.

É óbvio que não devemos ignorar estas questões - o meu ponto aqui não é este. A questão é que elas não são por definição políticas. O motivo para progressistas, secularistas e LGBTs continuarem politizando essa questão é bem simples: conservadores fizeram dela uma questão política, e enquanto ela for assim tratada, ela tem que ser politizada pelo lado oposto. Se o movimento LGBT retirar essa pauta da política, não há porque esperar que os conservadores façam o mesmo. Au contraire, o que se pode esperar no caso dos progressistas retirarem o assunto de pauta é um fortalecimento do conservadorismo nesta questão. 

os fatos da questão.
Não foram os movimentos LGBT que politizaram a questão - mas sim os conservadores, visando eternamente preservar a sociedade heteronormativa, como se qualquer desvio da "norma" fosse digno de repúdio. "Mas estão nos forçando a aceitar isso como normal", eles dizem - "essa ditadura gay quer converter nossas crianças com o kit gay" gritam os mais afobados - "querem tolher nossa liberdade expressão", alegam quando são criticados; O argumento conspiratorial - de que querem impor a homossexualidade - é cada vez mais usado e abusado, mesmo sendo claramente falso. 

E tudo isso enquanto fazem o possivel para "proibir propaganda gay" (seja lá o que isso for); alegam que homofobia não existe, mesmo perante as evidências gritantes; defendem discurso de ódio como "livre expressão", chamam videos não editados de difamação, enquanto usam de mentiras grotescas para atacar os defensores da causa LGBT. 

É ao tentar regular o que é uma questão individual, entre dois adultos que se amam, que o conservadorismo faz do casamento igualitário uma questão política. Ainda mais quando mantém a pressão para que essa decisão - que diz respeito somente e apenas aos LGBTs - seja feita "por plebiscito". Em "Ideais Politicos", o filósofo Bertrand Russel já notava essa contradição: como pode se deixar na mão da maioria uma decisão que diz respeito apenas às minorias, quando esta decisão não impactar o resto? Não se sentindo excluídos por não poderem casar com quem amam, a maioria dos cidadãos brasileiros simplesmente não tem como julgar essa questão de maneira justa - sim, existem aqueles que tem a empatia e o conhecimento para se colocar no lugar do outro - mas para a grande massa, acaba pesando mais o discurso de que "querem impor" do que a realidade de quem será afetado por isso.

Mas a politização do que não é uma questão política - os direitos humanos básicos dos LGBTs - vão além do óbvio ligado a situação no Brasil. Por exemplo, a situação abismal dos direitos LGBT na Rússia passou de uma questão de direitos humanos e uma questão - esta sim - política, ligada a politização do tema pelos conservadores russos, para um caso de política internacional, chegando a propostas de boicote das olimpíadas de inverno. 

Notem que essa movimentação por parte da direita conservadora religiosa não para meramente em "subtrair o direito ao casamento civil igualitário". Enquanto no caso russo já chegou-se ao extremo da proibição da "propaganda gay" - seja lá o que for isso - e se fala em açoitar homossexuais, no Brasil já se vê legislação proposta  em alguns municípios para tomar a mesma direção autoritária da Rússia, banindo "promoções da homossexualidade", embora sem apoio por ora. 

A principal buzzword da retórica de ódio: "Ditadura Gay"
No entanto, a retórica exagerada e muitas vezes violenta de figuraços conservadores como o pastor Silas Malafaia, a "psicóloga" Marisa Lobo, o deputado Jair Bolsonaro, ou o infame deputado-pastor Marco Feliciano (para não esquecer do ainda mais radical Tupirani da Hora Lores) é uma peça chave para o projeto político por trás dessa conversão do que é um interesse individual e que não afetaria em nada aqueles que não são LGBT, em uma questão política e de moral pública. 

Retórica de medo contra homossexuais e culpabilização
pelo mal da vez  - no caso a Aids.
E nessa retórica de ódio, se convertem outras questões, como a Aids, a pedofilia, a violência doméstica e a criminalidade em "componentes do problema gay" - O que se tem visto na Rússia, como coloca o comediante Stephen Fry, nada mais é que o mesmo que Hitler fez com os judeus: torna-los bodes expiatórios para todas as moléstias do país e depois de alimentar esse ódio, dar aos mais radicais os meios e a legalidade para "se livrar do problema". 


uma das muitas imagens mentirosas.
Para esse fim, se apela para as mais extremas formas de manipulação - como o deputado Jair Bolsonaro editando vídeos para inferir que psicólogos e professores ligados a movimentos LGBT eram pedófilos, que lideranças eram violentas, e que um pastor defensor dos direitos dos homossexuais "visava exterminar todos os cristãos"; o deputado-pastor Marco Feliciano alegando que o projeto que visava legalizar os tratamentos de reversão de sexualidade "não tratavam de cura gay" e que ao deixar explicito que não era permitido "curar gays", o conselho federal de psicologia sim que pretendia curar gays; o mesmo deputado transformando um - admitidamente invasivo- protesto por duas pessoas em "uma agressão executada por um bando de militantes gays, pondo a integridade física dele em risco"; as campanhas difamatórias contra o deputado Jean Wyllys, chamando o de pedófilo, de genocida em potencial, alegando que ele "chamou cristãos de imbecis", etc - todas embasadas em citações inexistentes, entre dezenas de outros exemplos.

Mesmo nos "tão desenvolvidos" EUA (que serve de fonte para muito do discurso conservador no Brasil) ainda temos palavras como as de David Usher, do "Center for Marriage Policy", de que lésbicas querem escravizar homens e enganá-los para terem filhos (o mesmo "pensador" parece achar que homens gays iriam querer transar com lésbicas... porque blá), ou do escritor de ficção científica Orson Scott Card, para quem reconhecer a relação de dois homens ou duas mulheres como um casamento é ditadura. E bizarramente, Card se considera a vítima de preconceito, apesar de ter passado anos e anos atacando os direitos civis de LGBTs, sua identidade, e criando teorias conspiratórias contra os mesmos (e contra negros, mas isso não vêm ao caso).



Enquanto no ocidente muito se trata a questão da homofobia como algo "natural", e se repete o meme ignorante de que homossexualidade é uma escolha - embora estudos de psicologia e genética demonstrem que não é de forma alguma uma escolha - na Tailândia se vê uma situação completamente diferente. Embora o casamento igualitário não seja legal no país, a tolerância por relações homossexuais e por transsexuais é notória, de forma positiva: por questões culturais, os tailandeses tratam homossexualidade ou transsexualidade não como "uma escolha" ou "uma anomalia", mas como parte inerente do indivíduo. Isso deveria jogar por terra o argumento de que "homofobia é natural", tão adorado por certos conservadores. 

Aí está parte do porque de politizarmos o tema dos direitos LGBT: embora por definição não sejam um assunto político, os esforços deliberados por setores conservadores para restringir e constringir os direitos desse segmento da população fazem com que seja necessário manter a defesa destes direitos dentro do discurso e da agenda política. Apesar das alegações frequentes de homofóbicos de que "se quer direitos extras para os gays", o que se tem é um esforço para preservar e garantir direitos, enquanto conservadores e "guardiões da moral" agem de forma a eliminar ou restringir direitos. Por isso devemos manter na pauta política - mesmo sendo uma questão individual, muitas vezes.